Benedito Braga e Jerson Kelman

Publicado na Folha de São Paulo

30/01/2018  02h00

Recente editorial desta Folha (“Incerteza líquida”, 26/1) afirma que é preciso “pensar também em reduzir a demanda por água, não só em ampliar a oferta”. Correto!

O povo da Região Metropolitana de São Paulo (RMSP) tem feito exatamente isso. No auge da crise, a demanda diminuiu mais de 20% devido ao efeito combinado da conscientização da população e dos incentivos econômicos.

Atualmente, passada a crise, não há mais nem bônus nem ônus nas contas de água para incentivar o uso parcimonioso, mas o decréscimo do consumo médio em relação ao nível pré-crise persiste da ordem de 15%. Ponto para a população!

Porém, para que se atinja o equilíbrio seguro entre oferta e demanda nos anos de escassez hídrica, é preciso também aumentar a oferta, como corretamente reconhece o editorial.

Como a disponibilidade hídrica per capita da RMSP, de apenas 140 metros cúbicos por ano, é bem menor do que a do semiárido nordestino e do que o Banco Mundial entende como sustentável, a segurança hídrica de quase 22 milhões de pessoas depende de mananciais localizados fora da região.

Ciente disto, o governador Geraldo Alckmin orientou a Sabesp no sentido de realizar três obras estruturantes para garantir a segurança hídrica, mesmo numa situação extrema de seca, como a que ocorreu no biênio 2014-2015.

Duas dessas três obras serão inauguradas ainda neste primeiro trimestre. Custaram cerca de R$ 3 bilhões e, somadas, se estendem por mais de 100 km. Serão utilizadas para trazer água de boa qualidade de longa distância.

É com base nessas ações concretas, e não em vagas promessas, que o governo de São Paulo e a Sabesp têm tranquilizado a população, mesmo reconhecendo que o sistema Cantareira recebeu precipitação 20% abaixo da média nos últimos meses.

Claro, a natureza sempre pode nos surpreender, mas há três motivos para acreditar que o risco de uma nova crise seja muito pequeno: o consumo tem se mantido baixo, a oferta em breve vai aumentar e, graças às obras emergenciais feitas no biênio 2014-2015, os sistemas produtores de água estão bem mais integrados do que antes da crise.

A terceira obra estruturante já está com contrato assinado e deve ser iniciada ainda neste semestre. Trata-se de trazer água puríssima de um afluente do rio Itapanhaú, localizado na Serra do Mar, para abastecer diretamente 4,5 milhões de pessoas da zona leste e indiretamente as mais de 21 milhões da RMSP.

O impacto ambiental será insignificante: não há represamento do rio, a adutora será instalada ao longo de estradas existentes, a retirada de água para abastecimento da população será de só 10% da vazão média na foz e haverá monitoramento tanto da restinga quanto do mangue. Por isso mesmo, a obra obteve licença prévia da Cetesb.

Apesar desses cuidados, parte da população de Bertioga mostra-se apreensiva com infundadas previsões sobre os impactos ambientais. Fenômenos parecidos têm ocorrido em todas as partes do mundo onde se realizam obras desse tipo. O importante é que haja bom senso. Do lado da Sabesp, temos a disposição e a obrigação de disponibilizar todas as informações.

Qualquer pessoa que as examine com isenção concluirá que nenhum impacto ambiental relevante ocorrerá no município. Do lado da população de Bertioga, cuja disponibilidade hídrica per capita é mais de 60 vezes a da RMSP, o que se espera é que prevaleça a solidariedade com os milhões de habitantes da RMSP que necessitam da água.

BENEDITO BRAGA, presidente do Conselho Mundial da Água, é secretário de Estado de Saneamento e Recursos Hídricos de São Paulo

JERSON KELMAN, ex-diretor da ANA (Agência Nacional de Águas), é presidente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de SP)

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