Por Nilson Teixeira – Publicado no Valor Econômico

25/09/2018 – 05:00

O governo voltou a defender a retomada da discussão das reformas tributária e da Previdência Social no Congresso logo após as eleições. A argumentação dos representantes do governo é que essas medidas seriam negociadas em conjunto com o presidente eleito.

Tenho várias ressalvas sobre essa suposta oportunidade. Primeiro, não consigo entender como um governo extremamente impopular, no final do seu mandato e muito criticado pela grande maioria dos candidatos à Presidência aprovaria reformas que exigem uma grande força e coordenação política. Em entrevista aos jornalistas Cristian Klein e Rodrigo Carro, publicada em 14 de setembro no Valor, o ex-governador Geraldo Alckmin resumiu a percepção sobre o atual governo ao assinalar que: “Primeiro, não tem voto. Já é uma dificuldade.

Segundo, é um governo muito ruim, totalmente distanciado do povo”.

Mesmo se houvesse uma improvável parceria entre o atual governo e o eleito, seria muito difícil organizar a negociação do Executivo com os membros do Congresso. Por exemplo, seria a discussão técnica coordenada pela atual equipe econômica ou pelo futuro time, que estará em formação até pelo menos início de dezembro? Também não é claro quem conduziria as negociações políticas na Câmara dos Deputados e no Senado: os líderes do atual governo ou aqueles a serem definidos pelo futuro presidente? Mais importante do que isso, seria a última palavra do Executivo na negociação dada pelo presidente em exercício ou pelo presidente que tomará posse apenas em janeiro de 2019?

Seria melhor que o atual governo se concentrasse na aprovação de medidas importantes, mas menos controversas Um outro grande obstáculo é que as propostas de reformas dos candidatos à Presidência com alguma chance de vencer as eleições são diferentes das versões em tramitação na Câmara dos Deputados. A atual redação de reforma da Previdência Social não é capaz de reverter a alta do déficit previdenciário. O Brasil precisa de uma reforma bem mais profunda. Para convencer a sociedade disso, é provável que seja necessário reorientar a negociação para aprofundar as medidas relativas aos funcionários públicos, em particular para aqueles que ingressaram no sistema antes de 2003, cujos benefícios superam em muito as aposentadorias dos trabalhadores do setor privado. Isso não me parece possível de ser implementado pelo atual governo.

Já defendi neste espaço que seria mais útil para a elaboração da proposta de reforma previdenciária do novo governo se o atual presidente orientasse seu time a disponibilizar uma abertura mais ampla dos dados da Previdência Social, em particular, do regime que atende o setor público. Do mesmo modo, seria apropriado divulgar as estimativas oficiais sobre o impacto de cada proposta de ajuste para o controle do déficit previdenciário.

Outra boa contribuição do atual presidente seria a de determinar que as equipes dos diversos ministérios, em particular do Planejamento e da Fazenda, aproveitassem o restante do ano para apresentar uma avaliação, mesmo que preliminar, de todas as renúncias tributárias existentes. Essa é uma discussão que já está posta há alguns anos e, até agora, não foi divulgado nenhum estudo consolidado sobre os eventuais benefícios de cada um desses gastos.

Como a maioria dos candidatos à Presidência cita a necessidade de redução dessas despesas nos próximos anos, o atual governo contribuiria bastante para que o próximo presidente tomasse decisões logo no início do mandato com base em estimativas dos custos e benefícios de cada renúncia. Do contrário, os grupos de interesse mais influentes continuarão mantendo privilégios que trazem pouco ou nenhum aumento da eficiência econômica ou melhoria do bem-estar para a maioria da população.

Assim, não vejo como positiva para o país a retomada da negociação das reformas no Congresso neste ano. Seria melhor que o atual governo concentrasse seus esforços na aprovação de medidas importantes, mas menos controversas. Há muito a ser feito nessa frente até meados de dezembro. A aprovação do cadastro positivo e a do aperfeiçoamento da lei de falências em ambas as casas são exemplos de contribuições relevantes.

Espero que o futuro governo não caia na tentação de buscar saídas fáceis para a consolidação fiscal. Isso seria um erro. O atual governo seguiu essa estratégia ao priorizar a aprovação da lei do teto dos gastos em 2016, sob a expectativa de que isso facilitaria a aprovação de reformas mais controversas. No entanto, a lei não garantiu a aprovação dessas reformas e nem tampouco dificultou os aumentos salariais de membros do Judiciário e a concessão de novos subsídios, como o do diesel. Tenho convicção que a contribuição do atual presidente para a consolidação fiscal teria sido bem maior se tivesse perseguido a aprovação da reforma da Previdência Social desde que tomou posse.

A implementação de um programa de consolidação fiscal nunca é fácil, mesmo quando se trata de um presidente no início do seu mandato. A primeira medida a ser encaminhada ao Congresso tem que ser a mais relevante. A apresentação de uma proposta abrangente de reforma previdenciária é prioritária. Será uma discussão árdua, mas é o caminho que precisa ser trilhado para evitar que o Brasil encare dias ainda mais difíceis nos próximos anos.

Nilson Teixeira, Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia, escreve quinzenalmente neste espaço