Por Angela Bittencourt – Valor Econômico

A inflação brasileira é 30% do que era há 12 meses. Tamanho tombo sancionou uma forte redução da taxa Selic, insuficiente, porém, para tirar o juro real das alturas. Em nove meses deste ano, o juro superou a inflação em 8,4%, 1 ponto percentual acima do observado no mesmo período do ano passado. A inflação rasteira, de 1,78% de janeiro a setembro, autoriza um custo de dinheiro mais baixo. Tomadores de crédito nos bancos poderão sorrir de orelha a orelha, enquanto investidores lamentarão o ganho mirrado de suas aplicações.

Essa é uma leitura corriqueira dos efeitos da ação do Banco Central (BC) sobre a Selic. Outra leitura para o mesmo movimento trata do dinheiro que governo economiza com juro menor. O BC de Ilan Goldfajn, atento a eventuais restrições que o manejo da política fiscal pode impor ao seu trabalho – manter a inflação na meta – na prática tornou-se o proprietário do instrumento que pode assegurar alguma economia ao governo enquanto o Congresso não tira a reforma da Previdência do telhado.

Governos comemoram inflação em queda. Ela mantém o poder de compra da sociedade e reforça sua vocação para manter no poder quem lhe dá bem-estar. É simples assim. No Brasil, a inflação bem-comportada elegeu dois presidentes da República. Duas vezes cada um. Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva atacaram o maior problema do país. E tanto um quanto o outro atacaram a inflação, apontada como o maior problema do país. Para o presidente Michel Temer a desinflação não se converteu em apoio popular e dá para compreender: a corrupção é o maior problema do Brasil.

O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, diz que a desaceleração rápida da inflação é um dos principais fatores que levaram à revisão das metas fiscais de 2017 e 2018. A queda da inflação altera a previsão de arrecadação de impostos. E para baixo. Neste ano, a estimativa é de frustração de R$ 19 bilhões em arrecadação; para 2018, de R$ 23 bilhões.

Para melhor entender a comemoração de Meirelles feita com ressalvas à desinflação brasileira, a coluna conversou com Luiz Carlos Mendonça de Barros, ex-ministro do governo FHC. Ele explica que a inflação é um processo natural em qualquer economia de mercado, mas que adoece se vai a extremos. A hiperinflação e a deflação são doenças que diferem na trajetória dos preços e na ocorrência, diz ele. A hiperinflação é rara. Pode ocorrer, se tanto, uma vez a cada século, enquanto a deflação é mais frequente e mais temida pelos bancos centrais. Assusta o seu efeito imediato sobre o custo do dinheiro. Com deflação, o juro real sobe sem ação do BC.

E porque a deflação preocupa tanto as autoridades monetárias?

“Porque é um fenômeno que ocorre quando a economia está fragilizada e uma economia em recessão não pode ser submetida a juro real alto. Muito pelo contrário. Juro alto aborta a reação da atividade. Para evitar esse risco, um cenário deflacionário exige taxa de juro nominal muito baixa ou até negativa”, afirma.

Luiz Carlos Mendonça de Barros insiste que a normalidade de uma economia de mercado é ter alguma inflação. “Em que nível?, depende muito da eficiência da economia”, diz. Por isso as autoridades monetárias procuram manter margens em torno da meta ou colocar a meta central um pouco acima do dado efetivo. Os Estados Unidos miram 2%, as economias europeias também estão buscando 2%. “Por razões óbvias, no Brasil a meta é mais alta, de 4,5% descendo a 4% em 2020. A meta nunca está próxima de zero porque se algo errado acontece, a economia pode entrar em deflação. O juro real sobe e realimenta esse processo deflacionário.”

O ex-ministro chama atenção para o fato de o Brasil estar discutindo pela primeira vez o juro estrutural. Aqui um aparte da coluna: o comando do BC alerta o tempo todo que o juro estrutural em queda será o fiador de uma estrutura permanente de juro baixo. E a queda do juro estrutural, diz o BC, depende das grandes reformas. A previdenciária é fundamental.

“O juro estrutural é um juro real que deve ser compatível com o cumprimento da meta sem inibir a atividade econômica, o crescimento. Portanto, o juro estrutural é um juro de equilíbrio. O juro efetivamente praticado pelo BC depende do ciclo econômico. E, no ciclo econômico, precisamos avaliar se a economia está crescendo abaixo do potencial ou do que ela pode realmente crescer. Se está crescendo menos – e a nossa está -, o juro praticado pelo BC deve ficar abaixo do juro estrutural, ou de equilíbrio, porque o ciclo da economia está desajustado para baixo”, afirma.

Mendonça de Barros lembra que o contrário também vale. Se a economia começou a esquentar, o BC deve testar juros mais altos até chegar a um ponto em que consegue trazer o ciclo para o seu lugar – para o equilíbrio que não produz inflação.

“Não há um arcabouço teórico que diga em que nível o juro (estrutural) deve estar. Esse nível vai depender da percepção do BC. Há quem acredite que um modelo matemático rodado no computador calcula esse juro, esse nível adequado, mas eu não acredito nisso. Acredito, sim, na observação das condições econômicas pelo BC que está sendo atento à demanda e oferta de bens e serviços na economia.”

Luiz Carlos Mendonça de Barros acrescenta que importam para a definição do juro, a credibilidade do Banco Central e o mecanismo de indexação da economia. “Uma economia muito indexada pode destruir o trabalho da autoridade monetária.

O Brasil tem uma economia indexada, mas muito menos do que no passado, tanto que a dispersão [de preços] no índice de inflação está em torno de 40%. No passado era de 70%, 75%, quase 80%. Isso quer dizer que a indexação acalmou, o que permite à política do Banco Central ser mais eficiente. ”

O ex-ministro explica que a indexação atrapalha toda a ação do BC, porque todo o sistema de preços é contaminado. E isso, diz, não tem nada a ver com demanda e oferta. “A indexação, se disponível na economia, é um mecanismo de correção de preços que todo mundo usa”, conclui.