Por Catherine Vieira – Valor Econômico

Com as eleições ocupando a cena em 2018, é quase consenso entre os economistas do mercado que novembro será a janela crucial para tentar retomar a reforma da Previdência. A expectativa do resultado, no entanto, ainda é um tanto desigual. O economista-chefe do Verde Asset, Daniel Leichsenring, não vê muita chance de alguma reforma relevante ser aprovada ainda este ano. “O calendário parece apertado, novembro é um mês cheio de feriados e há todo um trabalho de recomposição da base para ser feito e não me parece que o Congresso esteja disposto. A probabilidade é pequena”, diz ele. Na semana passada, o ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga manifestou opinião semelhante em um evento no Rio.

Para um ex-diretor do BC ouvido pela coluna, no entanto, ainda resta alguma esperança de sucesso na aprovação. “O governo Michel Temer já deu provas de que quando realmente elege uma batalha no Congresso consegue ser bemsucedido.

Além disso, o [ministro da Fazenda, Henrique] Meirelles tem sido muito enfático, não me parece à toa essa sinalização”, disse ele. O que de fato une opiniões é que a situação das contas públicas e os aspectos demográficos do país são tão difíceis que postergar em um ano e meio a reforma será custoso e exigirá que ela seja mais dura. Cumprir o teto de gastos públicos em 2019, é ponto pacífico, é impossível sem a reforma do sistema previdenciário.

O custo da ausência da reforma já se mostrou durante a crise, quando as receitas públicas passaram a sofrer forte restrição. “Os investimentos públicos desde 2014 caem algo como 70% enquanto a Previdência sobe cerca de 15% em termos reais”, diz Leichsenring, da Verde. O gasto total do governo federal, lembra, ficou estável no período.

Economista da USP e do Ipea especializado em sistemas de seguridade social, Rogério Nagamine Costanzi observa que, além do problema de sustentabilidade das contas, o sistema previdenciário brasileiro padece de outros problemas. O mais recente artigo de Nagamine, publicado pela Fipe/USP, aponta o caráter regressivo das aposentadorias precoces no país.

Ele mostra que os que mais ricos tendem a se aposentar mais cedo, por tempo de contribuição. “O Brasil conseguiu criar um sistema previdenciário no qual a idade mínima de 65/60 só vale para os mais pobres, gerando um sistema que causa distorções, como pagar aposentadorias para pessoas com plena capacidade laboral”, nota.

Os dados levantados por Nagamine mostram ainda algo nada trivial: o número de pessoas com mais de 90 anos que recebem benefícios de aposentadorias no país era de 105 mil em 1992. Em 2015, o grupo já era de 449 mil pessoas: um aumento de nada menos que 327%. A gravidade do desafio imposto pelo perfil demográfico do país é um tema que acabou ficando um tanto coadjuvante do quadro fiscal em toda a discussão sobre a reforma da Previdência, o que – claro, aliado a muitos outros fatores, sobretudo os escândalos de corrupção – pode ser uma das pistas para entender por que o governo perdeu a batalha da comunicação na hora de convencer parte maior da população sobre a necessidade de reformar o sistema previdenciário.

O presidente da aliança global de centros internacionais de longevidade, Alexandre Kalache, nota que o Brasil está numa situação singular e mais complexa que outros países, em termos de demográficos, por alguns fatores.

“Levaremos 19 anos para dobrar a população de idosos, algo que a França fez em 145 anos”, diz Kalache, que dirigiu o programa de envelhecimento e saúde da Organização Mundial de Saúde (OMS) entre 1994 e 2008 e hoje também integra o Conselho do Futuro do Fórum Econômico Mundial.

De fato, o envelhecimento rápido da população é algo que passou a ser uma preocupação não só mais dos países desenvolvidos, mas também dos emergentes, um desafio mundial. Ele explica a complexidade da dinâmica demográfica do nosso tempo: em um século, contando a partir de 1950, enquanto a população global deve crescer 3,7 vezes, a de 60 anos ou mais crescerá 10 vezes e a acima de 80 anos, 27 vezes. “Nasci num mundo em que havia 14 milhões de pessoas com mais de 80 anos e quem nascer em 2050 terá um mundo com 384 milhões de pessoas acima dessa faixa, é algo completamente diferente”, diz. Kalache, que tem 72 anos.

Ele compara o país com o Canadá, por exemplo, que em 1950 já tinha 11,9% da população com mais de 60 anos, enquanto o Brasil tinha 4,7%. Em 2015, o Brasil já tinha 11,7% e o Canadá, 25%. Em 2050, ambos terão 30% da população com mais de 60 anos, segundo ele.

O que torna o caso do Brasil ainda mais peculiar, lembra o especialista, é que não apenas as pessoas estão vivendo muito mais – houve um acréscimo de 30 anos na expectativa de vida ao nascer entre 1940 e 2015, para 75,5 anos -, como em muitos países emergentes, mas as mulheres estão tendo ainda menos filhos do que em outros locais. “A queda da taxa de fecundidade no Brasil foi muito acelerada, sai de 5,8 [filhos], em 1975, e desde 2000 está em cerca de 1,8. É abaixo da taxa de reposição (que é acima de dois, corresponde ao casal de pais), no México e na Argentina, por exemplo, ainda é maior”, afirma Kalache.

Nesse cenário, as políticas públicas para uma população com outro perfil etário deveriam ser priorizadas, mas sequer começaram a ser pensadas, a não ser pela reforma do sistema previdenciário, que, sem dúvida, é importante, mas deveria ser apenas um ponto de um pacote que não deveria também conter exceções. “É preciso que a reforma seja para todos, políticos, militares.

Aliás, o presidente Temer deveria dar o exemplo, restituindo os valores que recebe já há 20 anos, já que está na ativa. Não é razoável que uma parte tão grande de tudo que o país gasta seja consumido pela Previdência. Já gastamos mais que a Alemanha, que é um país muito mais envelhecido, enquanto estamos comprimindo investimentos em saúde e educação, que são essenciais para os mais pobres e encolhem 43% desde 2014”, conclui Kalache.