Segundo o órgão, 2,3 bilhões de pessoas no planeta não têm acesso a saneamento básico. Assunto ficou esquecido durante corrida eleitoral

Por Revista Época

Saneamento básico dificilmente gera votos. Durante a corrida eleitoral de 2018, o tema apareceu pouquíssimas vezes no debates – entre os principais candidatos à presidência, foi mais citado nos planos de governo de Guilherme Boulos e Marina Silva. O plano de Haddad fala em universalizar o acesso. O de Jair Bolsonaro, que hoje lidera nas pesquisas de intenção de voto, não trata do assunto. Não é um problema exclusivamente brasileiro. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), negligenciar a importância do saneamento básico é um mal global.

O alerta aparece num documento lançado pela agência neste mês, e que inclui uma série de recomendações destinadas a auxiliar governos a expandir os serviços de saneamento básico adequado. É um volume com pouco mais de 200 páginas, com as diretrizes da agência para o setor, e que principia com uma máxima importante: “Saneamento salva vidas”, diz Tedros Ghebreyesus, diretor da OMS, já na introdução. A falta dele, por outro lado, significa milhões de mortes evitáveis.

Segundo os números da OMS, mais de 800 mil pessoas morrem anualmente, em todo o mundo, vítimas de diarreia, por não ter acesso a água segura, ou por falta de saneamento e higiene. Esse número é reflexo de outro: ainda de acordo com a agência, 2,3 bilhões de pessoas em todo o planeta carecem de saneamento adequado. Isso significa que falta a elas algo na aparência simples: um vaso sanitário ligado à fossa séptica, ou a uma rede de coleta e tratamento de esgoto.

A reversão desse quadro, com a universalização do saneamento, é um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, um conjunto de metas estabelecidas pela Assembleia Geral das Nações Unidas para ser alcançadas até 2030. O plano parece fadado ao fracasso: para a OMS, se forem mantidos os ritmos de investimento atuais, não vamos alcançar a meta a tempo. Falta empenho dos governos, e falta dinheiro para o setor.

O problema se repete no Brasil. Segundo levantamento da Agência Nacional de Águas, 45% da população brasileira não tem acesso a serviços adequados de esgoto. Eles são importantes porque têm impacto direto na saúde da população. Revisões de estudos, reunidas pela OMS para elaborar suas diretrizes, dão conta de que ampliar o acesso a esses serviços pode diminuir em 23% os casos de diarreia em uma população. E em até 53% a ocorrência de algumas parasitoses.

É um investimento com retorno certo: cada dólar aplicado em saneamento, afirma a OMS, significa um ganho de seis, considerando o dinheiro economizado em tratamentos de saúde ou graças ao aumento de produtividade proporcionado por uma população saudável. No novo documento, a OMS recomenda que as ações de saneamento sejam incorporadas ao planejamento regular dos governos locais. E o que o setor de saúde ajude a coordenar as ações do setor, tendo em vista as implicações da questão para a saúde pública.

Vale ter isso em mente ao avaliar as ações do governo que assumirá em 2019. Saneamento não é assunto popular, não gera polêmica em debates e não carrega votos. Mas, como bem lembrou a OMS, salva vidas.

Rafael Ciscati é repórter de ÉPOCA e O Globo, escreve às terças-feiras sobre políticas públicas para a saúde.