Por Fernanda Pires – Valor Econômico

Enquanto o Brasil prepara uma série de projetos de Parcerias Público-Privadas (PPPs) no setor de água e saneamento, a França faz o caminho inverso. O país entrou numa onda de remunicipalização do serviço de água depois de décadas de serviço privado. A decisão abalou esse universo da água, visto que a França é a casa de duas das maiores empresas de água e saneamento do mundo, a Suez e a Veolia.

O maior exemplo desse movimento ocorreu em Paris. Em 2008, uma auditoria contratada pelo município constatou que a delegação do serviço público custava muito caro. O sistema tinha provocado um aumento das tarifas ao longo do tempo e uma falta de controle oficial, o que as autoridades parisienses chamaram de “opacidade das contas”.

Antes da remunicipalização, a gestão da água em Paris era dividida em três etapas. A produção da água era feita por uma empresa de economia mista; a distribuição tinha duas concessões, uma a cargo da Suez e outra da Veolia, cada qual em uma margem do rio Sena; e, finalmente, um laboratório público que fazia os controles de qualidade.

As concessões da Veolia e da Suez iam de 1985 até 2010. Dois anos antes de terminarem, as auditorias foram feitas e o governo municipal decidiu não renovar ou manter o serviço privado. A empresa de economia mista foi dissolvida, com as ações dos sócios privados compradas por um banco de financiamento público.

Outra conclusão das auditorias é que esse sistema tinha um excedente anual de € 30 milhões que não eram reinvestidos na rede.

Assim, Paris retomou a gestão do ciclo da água ao fim dos contratos. “Era uma das promessas de campanha municipal. Se fosse reeleito, o prefeito remunicipalizaria o sistema”, disse Eric Pfliegersdoerfer, chefe de departamento da Eau de Paris, estatal municipal criada em 2010 para reunir todas essas etapas da gestão da água.

Um ano depois, em janeiro de 2011, o preço da água baixou em 8%. Mesmo com eventuais aumentos, neste mês a água ainda é mais barata do que era em 2009.

O serviço melhorou, atende quase 100% dos parâmetros técnicos e há 97% de satisfação dos usuários. A empresa atende 3 milhões de pessoas em Paris, entre moradores fixos e flutuantes.

Os executivos da Eau de Paris destacam que esse processo foi muito além de um simples posicionamento político e ideológico. Tanto que outras cidades com governo de maioria direita também aderiram à remunicipalização de alguns serviços públicos. Um levantamento internacional mostra que de 2000 a 2017 a França acumulou 104 casos de remunicipalização de atividades ligadas à água. Em segundo, vieram os Estados Unidos, com 61 casos. São mais de 800 experiências de reestatização em vários países desenvolvidos, sendo 267 ligados à água. Na França, os serviços de água e tratamento de esgoto nem sempre são feitos pela mesma empresa, como é no Brasil.

O diretor-geral da Eau de Paris, Benjamin Gestin, destaca, contudo, que não se trata de uma guerra contra as empresas. “Remunicipalização não é um contra o outro. Temos contratos de prestação de serviços com empresas. Acabamos de fechar um por cinco anos com a Suez”, disse.