Por Andrea Jubé – Valor Econômico

27/03/2018 – 05:00

A minuta de medida provisória que institui o novo marco legal do saneamento básico, à qual o Valor teve acesso com exclusividade, prevê a dispensa de licenciamento ambiental para construção de novas estações de tratamento de água e de esgotos sanitários e o fim da dispensa de licitação para as companhias estaduais, estabelecendo igualdade de concorrência para os setores público e privado.

O presidente Michel Temer afirmou que o novo marco está em fase final de discussão no governo ao discursar na abertura do Fórum Mundial das Águas na semana passada em Brasília. “Nossa atenção volta-se com muita naturalidade para o saneamento, estamos ultimando projeto de lei com vistas à modernizar nosso marco regulatório de saneamento e incentivar novos investimentos”, disse, no último dia 19.

O governo ainda discute se envia a proposta ao Congresso como medida provisória ou projeto de lei. Caberá ao ministro das Cidades, Alexandre Baldy – que integra o núcleo próximo ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEMRJ) -, articular a votação da matéria no Congresso.

A ala do governo que defende a edição de uma medida provisória cita dados alarmantes sobre o déficit de abastecimento para justificar a urgência em atrair novos investimentos para o setor. O exemplo mais expressivo é Rondônia, na Região Norte, onde apenas 4% dos domicílios têm rede de coleta de esgoto, 40,7% de água tratada, segundo dados do Ministério das Cidades.

Em contrapartida, o governo enfrenta a resistência de alguns governadores, já que as companhias estaduais vão perder o quase monopólio que exercem sobre o setor. Há expectativa de avançar no diálogo com esses atores após o dia 7 de abril, quando grande parte dos governadores se desincompatibiliza dos cargos para concorrer nas eleições de outubro. O projeto não deve seguir para o Legislativo antes desse prazo.

O diagnóstico governista é de que há uma demanda represada pelos serviços de água e esgoto tratados, com consequências para a saúde pública e o meio ambiente, e a contrapartida do interesse da iniciativa privada em ingressar nesse mercado.

Para isso, entretanto, é preciso instituir com o novo marco legal um ambiente de segurança jurídica e regulatória, de modo a atrair as empresas privadas para participarem de licitações e concessões no setor.

Uma das novidades do texto é a dispensa do licenciamento ambiental em situações específicas: das unidades de tratamento de esgotos sanitários cuja vazão média seja igual ou inferior a 100 litros por segundo, e de tratamento de água com capacidade igual ou inferior a 200 litros por segundo.

A justificativa para essa dispensa, segundo o texto, é porque a demora em se obter esse licenciamento torna-se um “entrave importante à expansão dos serviços”, enquanto as obras de saneamento básico têm impacto positivo sobre o meio ambiente.

“Se computados junto ao impacto inicial da obra seu funcionamento ao longo dos anos, estes últimos mais que compensam o primeiro”, diz o texto.

Reforçando a necessidade dessa dispensa para acelerar o início das novas obras, uma fonte do governo propõe a seguinte comparação: se para lançar dejetos nos leitos dos rios não se pede licença ambiental, por que o aval seria obrigatório para investir na despoluição dos rios com novas estações de tratamento?

A proposta ressalva que o licenciamento ambiental continuará obrigatório para a destinação final dos subprodutos da utilização das estruturas.

A principal inovação é o fim da prerrogativa das companhias estaduais de dispensa de licitação para prestar os serviços de tratamento de água e esgoto junto aos municípios, o que gerou insatisfação entre os governadores.

O objetivo é instituir a “livre concorrência de mercado”, justifica uma fonte do governo. Haverá espaço para a formação de consórcios entre as companhias estaduais de saneamento e empresas privadas, mas a novidade é que com o novo marco, setor público e privado poderão competir nesse setor “de igual para igual”. A minuta afirma que as empresas estaduais desfrutam de um “monopólio natural”.

Para resguardar os Estados de prejuízos, o texto estabelece que se ocorrer a alienação do controle acionário da companhia estadual de saneamento, os contratos em vigor serão mantidos.

Outra mudança é a atribuição à Agência Nacional de Águas (ANA) da competência de elaborar normas nacionais de referência regulatória para a área de saneamento básico. “Espera-se uma elevação na qualidade” das regras para o setor e uma “maior uniformização regulatória em todo o território nacional”, diz o documento.