Planalto defende a medida como forma de atrair mais recursos. Parlamentares da oposição e até do governo e associações do setor temem prejuízos para cidades pequenas

Jornal do Senado

A medida provisória que altera o Marco Legal do Saneamento Básico foi prorrogada por 60 dias, e agora o governo federal tem até 11 de novembro para tentar aprová-la no Congresso Nacional.

A MP 844/2018 vem sofrendo forte resistência de parlamentares da oposição e de setores da base governista. Na avaliação deles, a medida tem uma lógica privatizante, que acabará por prejudicar o fornecimento dos serviços de água e saneamento básico para boa parte das cidades do interior e para os consumidores de baixa renda.

A resistência fez com que a comissão responsável pela análise da MP, instalada no dia 8 de agosto, não tenha sequer definido a direção e a relatoria dos trabalhos.

O ponto de vista desses parlamentares é contestado pelo governo federal, que afirma que a MP tem como um de seus principais objetivos atrair mais investimentos privados ao setor de saneamento, sem abandonar as metas de universalização e qualidade na prestação dos serviços.

Investimentos 

No 7º Encontro Nacional das Águas realizado em agosto, em São Paulo, a chefe da Assessoria Especial da Casa Civil da Presidência da República, Martha Seillier, defendeu a participação do setor privado para ampliar os investimentos em saneamento.

— Para isso ocorrer, são necessárias regras estáveis e claras, além de um modelo regulatório eficaz e profissional. O fato é que hoje o país apresenta deficiências profundas em saneamento básico, que afetam fortemente a qualidade de vida do povo e a competitividade da indústria.

Ela lembrou que o Plano Nacional de Saneamento Básico (Plansab) calcula que os investimentos em abastecimento de água e esgotamento sanitário precisam ser da ordem de R$ 15,2 bilhões por ano nos próximos 20 anos.

O problema é que dados do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) apontam que a média de investimentos no setor nos últimos anos foi de apenas R$ 10 bilhões por ano.

Martha citou um levantamento da Confederação Nacional da Indústria (CNI) que indica que o Brasil não deverá universalizar o esgotamento sanitário antes de 2054 e nem o abastecimento de água antes de 2043.

— Com o modelo vigente hoje, mais de 35 milhões de pessoas não têm acesso à água potável no Brasil. Mais de 100 milhões não possuem acesso à coleta de esgoto e menos de 45% dos esgotos do país são tratados. E ainda temos grandes disparidades: metade dos investimentos vai para São Paulo, Minas Gerais e Paraná — acrescentou.

Martha afirmou que a aprovação da MP do Saneamento potencializará a redução de custos para empresas privadas e públicas, além de dar segurança jurídica com vistas a aumentar investimentos.

Críticas

Associações de empresas estaduais e municipais de saneamento estabeleceram uma pauta conjunta de enfrentamento à medida provisória. As organizações esperam derrubar a MP a partir de articulações parlamentares, mobilizações sociais, ações judiciais e comunicados conjuntos.

Em nota, a Associação Nacional dos Serviços Municipais de Saneamento (Assemae) afirma que a MP “levará ao sucateamento dos serviços públicos do setor em todo o país”.

A associação critica o texto por, em sua avaliação, apresentar dispositivos capazes de excluir a população mais pobre do acesso a sistemas de saneamento básico, com impactos imediatos para a titularidade dos municípios.

De acordo com a nota da Assemae, a remunicipalização dos serviços de saneamento é hoje uma tendência mundial, com mais de 180 casos nos quais o fornecimento de água e esgoto que havia sido privatizado retornou às mãos públicas, “depois do caos que provocou”.

A associação cita especialmente as cidades de Paris, Buenos Aires, La Paz e a brasileira Itu (SP) como algumas das que retornaram o serviço ao controle público, deixando de renovar contratos com empresas privadas por causa de aumento das tarifas, não cumprimento de metas e ausência de transparência. Por fim, a Assemae adverte que, caso a MP do Saneamento seja aprovada, as empresas privadas se apossarão apenas dos municípios rentáveis, ficando as companhias estaduais e municipais com serviços sem estrutura, “transformando o saneamento brasileiro num verdadeiro balcão de negócios”.

Desigualdade

Ainda de acordo com a Assemae, a MP “amplia a desigualdade social em todo o país, com municípios estruturados cada vez mais ricos e municípios pobres destinados à miséria social”. A associação também defende a adoção de mecanismos desburocratizados de acesso a verbas federais para permitir a superação do deficit hoje existente na prestação dos serviços.