Por Fernanda Pires – Valor Econômico

Um dos mais antigos governadores do Conselho Mundial da Água, Hachmi Kennou avalia que um dos grandes desafios enfrentados hoje pelos países gira em torno do modelo de gestão da infraestrutura da água. Segundo ele, a América Latina se transformou em um laboratório de Parcerias Público-Privadas (PPPs), com uma série de iniciativas para transferir ao setor privado a gestão de serviços ligados à oferta e tratamento de água.

Ao mesmo tempo, sobretudo na Europa, há várias cidades que remunicipalizaram os serviços da água ao término das concessões. A França encabeça a lista, com 106 dos 267 casos levantados entre 2000 e 2017 pelo “think tank” Transnational Institute. O país convive hoje tanto com gestão pública como privada de forma bem-sucedida na maioria das vezes.

“Existem vários modelos. A água vem do céu, só que precisa ser armazenada, tratada, distribuída, despoluída e retornar ao meio natural como foi captada. Tudo isso representa serviços que custam dinheiro. Há outros que dizem que, se a água vem dos céus, é o governo que tem de pagar tudo. No conselho a palavra é diálogo”, afirma Kennou.

O conselho não intervém nas políticas dos países. Mas, como é uma plataforma de intercâmbio, mostra que em certas nações os mecanismos são bem-sucedidos e outras ainda não colocaram a água “na prioridade da vida”. Por isso, o organismo atua como um acelerador de mudanças que vão acontecer ao longo do tempo.

Criado em 1996, o conselho se tornou, de certa forma, a voz e os ouvidos da comunidade mundial da água num mundo em que ainda há centenas de milhões de pessoas sem acesso à agua tratada e ao saneamento.

O principal fruto do conselho é a realização, a cada três anos, do Fórum Mundial da Água, evento que se tornou o ponto de encontro da comunidade internacional na discussão sobre o tema. De acordo com Kennou, o conselho faz todo o necessário para que a comunidade internacional coloque a água na agenda mundial.

Diz, por exemplo, que teve papel importante nas últimas Conferências das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COPs). “Não é um fórum para falar de negócios”, diz Kennou, apesar de destacar que existem esses contatos no evento.

Entre as sete edições do fórum, Kennou cita dois exemplos marcantes. Na realizada em Quioto, no Japão, em 2003, o principal assunto foi o foco no financiamento, o que levou à elaboração de um relatório sobre o financiamento de infraestruturas para acesso à água pelo ex-diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Michel Camdessus. O foco era “financiamento para todos.”

Três anos depois, no fórum realizado na Cidade do México, o marco foi o direito fundamental do acesso à água. Foi um dos catalisadores para a assembleia das Organização das Nações Unidas (ONU) reconhecer, em 2010, o acesso à água de qualidade e à infraestrutura sanitária como um direito humano.

Franco-tunisiano, Kennou afirma que “a água hoje é a paz mas também é a guerra”. Por isso, afirma que o fórum tem a determinação “de colocar a água numa agenda geopolítica, geoclimática, geoambiental e geo-sócio-econômica”, finaliza.

A repórter viajou a convite do Ministério das Relações Exteriores da França