Por Alex Ribeiro – Valor Econômico

29/05/2018 – 05:00

No mês que vem, o Conselho Monetário Nacional (CMN) vai decidir se o Brasil terá, finalmente, uma meta de inflação menor do que 4%, aproximando-se um pouco mais do percentual de 3% adotado por vários países da nossa região, como Chile, México e Colômbia. Mas alguns respeitados economistas, como o ex-diretor do Banco Central Sergio Werlang, um dos introdutores do regime de metas de inflação no Brasil, acreditam que esses 4% representem uma fronteira perigosa. Se almejarmos cair abaixo dela, ficaremos vulneráveis a crises de confiança que atingiriam a política fiscal e monetária.

Mais para o início do ano, havia alguns especialistas que defendiam reduzir as metas já definidas para 2019, de 4,25%, e para 2020, de 4%. A ideia era aproveitar que a inflação está muito baixa, em menos de 3%, para convergir mais rápido para os padrões de outros emergentes. O Banco Central e o Ministério da Fazenda sempre foram contra abrir um precedente de mudar a meta no meio do caminho, que mais tarde poderia ser usado para subi-la. Depois do choque externo que pressionou o dólar, criando um pouco mais de dúvidas sobre o cenário inflacionário, essa proposta se tornou ainda mais improvável.

O debate atual não tem nada a ver, por outro lado, com o oportunismo de definir uma meta de inflação mais alta para manter juros baixos por mais tempo e, assim, sustentar a economia no curto prazo. Em junho, o CMN definirá a meta de 2021, ano que está completamente fora do raio da ação imediata da política monetária. Mudanças nos juros atingem seu efeito máximo na inflação com uma defasagem de cerca de dois anos.

Questão é se a frágil posição fiscal permite um objetivo menor

A questão é se o Brasil poderia se dar ao luxo de caminhar aos padrões internacionais ou se, por alguma característica própria, teria que conviver com um índice mais alto, pelo menos até essas condições mudarem. O tema foi debatido por Werlang e outros economistas, como os ex-diretores do BC Afonso Bevilaqua e Mário Mesquita, em dois eventos no Rio na semana passada, o Seminário Anual de Política Monetária, organizado pelo economista José Julio Senna, da Fundação Getúlio Vargas (FGV); e o Seminário Anual de Metas de Inflação do BC.

Segundo Werlang, quando o regime de metas de inflação foi adotado pelo Brasil, há 19 anos, o BC perguntou qual seria a meta ideal ao professor Aloísio Araújo, da Escola de Pós-Graduação em Economia (EPGE) da FGV. “Ele demorou mais de 15 anos para responder, e a resposta são dois artigos acadêmicos”, brincou Werlang. “A conclusão é que países com fragilidade fiscal como o Brasil devem ter uma meta de inflação um pouco maior, de pelo menos 4%.”

No mais recente artigo, de 2018, Araújo e os economistas Rafael Santos e Paulo Lins dizem que estudos feitos até agora mostravam países em duas situações extremas nas interações entre políticas monetárias e fiscais: quando a situação fiscal é tão precária que a política monetária fica a ela subordinada, ou seja, o BC fica de mãos atadas para controlar a inflação porque tem que socorrer as contas públicas; e quando a situação fiscal é sólida, e os juros podem atuar para controlar a inflação.

Entre esses extremos que geralmente se aplicam a países desenvolvidos, porém, estariam economias com fragilidade fiscal, sem ainda ter chegado à beira da insolvência, como o Brasil. Nessa situação, o BC deve manter um olho na inflação e outro no fiscal, e a meta deve ser calibrada em um nível ótimo para atender ambas as preocupações. “O momento atual exige que o CMN seja conservador na escolha das metas para anos depois de 2020, mantendo-as em 4%”, escreveram Araújo e Lins no blog do Ibre/FGV.

Werlang coloca a problema de um outro ângulo: a meta de inflação deve ser mais alta para que, num país com alta rigidez no gasto público, o governo faça o ajuste fiscal por meio da queda real da despesa. Um exemplo seria aumentar salários do servidor abaixo da inflação. Essa não é a primeira vez que Werlang defende uma meta de inflação maior – no ano passado, ele apresentou raciocínio semelhante no Seminário Anual de Política Monetária. No fim, o CMN resolveu adotar metas mais baixas para 2019 e 2020.

Bevilaqua lembrou que os temores de a meta mais baixa levaria a juros mais altos não se confirmaram. “A redução das metas abriu espaço para os juros caírem mais, e não menos”, disse. Isso porque, afirmou, com uma meta menor, os juros menores para estabilizar a economia são também menores, dada a mesma taxa de juros neutra. Aproximar ainda mais a inflação brasileira dos padrões internacionais em 2021 poderia contribuir para baixar os próprios juros neutros, argumentou, ao reduzir a percepção de risco na economia brasileira.

“A manutenção da meta de inflação elevada no Brasil só tem gerado inflação mais alta, sem ganhos para a atividade econômica”, disse Mesquita, atual economista-chefe do Itaú. “As metas elevadas têm contribuído para aumentar a incerteza inflacionária e o risco macroeconômico, em vez de animar o desejo de investir.” Ele reconhece que, diante da política monetária, também se impõem as questões fiscais, mas diz que esses problemas “devem ser resolvidos pelas autoridades fiscais e pelo Congresso, não aceitando mais inflação.”

Como decidirá o CMN? O que se sabe é que um dos seus membros, o presidente do BC, Ilan Goldfajn, já manifestou seu desejo de que a meta convirja no longo prazo para os 3%.

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Sobre a atuação do BC no mercado de câmbio, há duas estratégias principais: a venda de contratos de swaps cambiais em datas e volumes pré-anunciados e intervenções menos previsíveis. O BC, por enquanto, optou pela primeira, com a rolagem das operações em mercado e a oferta líquida de US$ 750 milhões por dia em novos swaps. Na crise de 2008 e 2009, porém, o BC anunciou a venda de US$ 50 bilhões em leilões mais erráticos.

A vantagem das intervenções discricionárias é desarmar posicões especulativas. Seu defeito é que, a cada leilão, o mercado se pergunta se o BC está estabelecendo ou teto para a cotação do dólar. Alguns operadores do mercado dizem que o BC tem um capital de credibilidade que permitiria atuar de uma forma mais discricionária no câmbio.

Alex Ribeiro é repórter especial