Por João Sorima Neto e Roberta Scrivano – Valor Econômico

02/08/2018 – 05:00

A autonomia das agências reguladoras precisa ser retomada, na opinião de atores relevantes da iniciativa privada. Para pôr fim ao clima de desconfiança dos investidores e tornar o país atraente para o capital privado, as agências precisam ter corpo técnico capacitado, agilidade e tomar decisões sem viés político. Essa é a avaliação dos especialistas presentes ao evento “E agora, Brasil?”, promovido pelos jornais “O Globo” e Valor.

“Além de conhecimento, é necessário ter vontade de trabalhar, e também é preciso uma mudança de hábitos. Esse é, para mim, o maior desafio. A gestão pública precisa ter meritocracia, pessoas tecnicamente capacitadas, organogramas bem definidos, e funcionários com senso de ‘dono'”, resumiu David Díaz, diretor presidente da Arteris, uma das maiores companhias do setor de concessão de rodovias do Brasil em quilômetros administrados, com mais de 3.250 km em operação.

Para Díaz, é preciso que órgãos como Ibama, Funai, ICMBio e as agências reguladoras se entendam. Na visão dos especialistas, indicações políticas para cargos nas agências criam dificuldades para regulação dos setores e, consequentemente, para o andamento de obras importantes. Isso ocorre por causa de decisões sem embasamento técnico.

O reflexo direto dessa dinâmica é sentido no ambiente de negócios que torna-se hostil e afugenta investimentos.

A editora executiva de “O Globo”, Flávia Barbosa, citou reportagem publicada pelo jornal em 22 de julho, que revelou que, em oito das 11 agências reguladoras federais, considerando 40 cargos executivos, 32 são ocupados por nomes indicados por políticos, e outros três estão prestes a ser preenchidos pelo mesmo critério. Ou seja, 35 vagas são destinadas a pessoas ligadas a políticos.

“Estamos com o DNA completamente contaminado”, respondeu Paulo Resende, coordenador de Logística da Fundação Dom Cabral. “As agências reguladoras têm de ser tecnicamente fortes para que haja um ambiente favorável ao desenvolvimento. Caso contrário, vamos continuar vendendo o paraíso, sendo que o que mais temos na infraestrutura brasileira é a divina comédia do purgatório”, afirmou.

Para Resende, o Brasil tem um excelente corpo técnico de gestão pública, mas, nas agências reguladoras, ele acaba refém de questões políticas. Isso, diz, acaba provocando rupturas. “A Ferrovia Norte-Sul, por exemplo, começou a ser construída na década de 1980 e ainda não chegou à metade”, disse Resende, referindo-se ao projeto que liga os principais portos e regiões produtoras do país.

Díaz, da Arteris, disse que há anos as concessionárias esperam a Lei das Agências Reguladoras. Essa regulamentação está na Câmara desde 2016, após longa tramitação no Senado, iniciada em 2013. O relator, deputado Danilo Forte (PSDB-CE), recomendou a “aprovação parcial” da emenda no início do mês passado, mas a votação do parecer e das emendas propostas ainda não ocorreu. “As agências têm de ser fortalecidas e, por isso, esperamos pela Lei das Agências. Os diretores devem ser eleitos pela sua capacidade técnica. E desejamos que haja diálogo e celeridade nas decisões”, afirmou Díaz.

Diferentemente das empresas estatais, que, depois da aprovação da Lei das Estatais, em junho de 2016, tiveram de ampliar as exigências para ocupar cargos, os únicos critérios para ser indicado à direção de uma agência reguladora são formação superior e conduta ilibada. “Temos de dotar essas agências de capacidade intelectual de ler as necessidades do mercado e atuar com padrão técnico”, pontuou o vice-presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), Cléber Cordeiro Lucas.

Para o presidente da Associação Brasileira das Concessionárias de Rodovia (ABCR), César Borges, com as mudanças nos contratos de concessão – e o risco recaindo sempre no setor privado – o país perde a atratividade. Ele defende uma reforma estrutural nos órgãos reguladores, e até nos ministérios, para pôr fim à desconfiança dos investidores: “É preciso uma mudança de postura nas agências reguladoras, nos ministérios. A logística é essencial para a Nação, mas há corporativismo nesses órgãos. Enquanto não houver uma mudança estrutural, nada vai se modificar”.