Por Cláudia Schüffner, Fabio Graner e Marta Watanabe – Valor Econômico

O governo vai editar medida provisória para tentar resolver o imbróglio em que se transformou a monetização da parcela que cabe à União do petróleo extraído dos campos explorados no regime de partilha de produção e gerenciados pela Pré- Sal Petróleo (PPSA).

A MP vai permitir que a PPSA comercialize diretamente o petróleo e gás, o que hoje só é possível por meio de um comercializador (ou trading). Ela vai prever também que o valor do petróleo vendido seja baseado nos preços de referência da Agência Nacional do Petróleo (ANP), segundo informou ao Valor o secretário de Petróleo e Gás do Ministério de Minas e Energia (MME), Márcio Félix Bezerra, que está negociando também com o Ministério do Planejamento.

Esse é mais um avanço na definição de um assunto que vem frustrando as expectativas de receitas esperados pelo governo em 2017. Um dos problemas que a MP vai resolver é a falta de definição legal sobre o é que a receita decorrente da comercialização de petróleo e de gás da União, como prevê a resolução nº 12 do Conselho Nacional de Política Energética (CNPE), de dezembro de 2016.

Só com a definição via MP será possível deduzir das receitas, custos e despesas como a remuneração do comercializador, o pagamento da comissão e custos com seguro, entre outras, explica o presidente da PPSA, Ibsen Flores Lima. “Várias despesas precisam ser deduzidas e por isso é preciso definir por lei o que é receita de comercialização”, diz Lima.

Atualmente a União tem direito sobre parte da produção do campo de Libra, no pré-sal da Bacia de Santos, onde foi autorizada a produção por meio de um Teste de Longa Duração (TLD). A União também terá direito a parte da produção dos campos de Lula (que já tem acordo de partilha assinado) e Sapinhoá. Esse último depende da assinatura de um Acordo de Individualização da Produção (AIP) com a Petrobras, segundo informou Lima. Segundo ele, os acordos passam a vigorar a partir de 2018.

“Até lá essa produção da União não vai ser perdida, será contabilizada e entrará em um acordo de equalização de gastos e volumes. Todos os custos operacionais e investimentos serão considerados e depois será feita uma conta de subtração das receitas e custos. Se a União for credora o operador vai pagar esse passado para a União. Se for devedora, a União vai pagar em produção até zerar a conta e fazer jus a seu quinhão da produção”, explicou Lima.

O preço de referência que vai balizar as transações é calculado pela ANP considerando-se diversos tipos de petróleos produzidos no Brasil. O objetivo é que o governo tenha ao menos um preço mínimo para balizar o cálculos dos royalties e da Participação Especial (PE) devidos pelos produtores. Se uma empresa não informar o valor exato obtido com a venda, vale o preço de referência, ou preço mínimo, como prevê portaria da ANP que vigora desde 2000. A solução não animou muito a equipe econômica, porque não estimularia a busca por melhores resultados na comercialização do óleo.

Para se ter uma ideia de valores em um ambiente em que centavos podem render bilhões, o preço de referência da ANP para o petróleo do campo de Lula em setembro era de R$ 1.011,4866 por metro cúbico. Já o petróleo de Libra tinha preço de R$ 996,5423. Para permitir que a PPSA comercialize diretamente o petróleo da União, terão que ser definidas regras por meio de MP, porque a Lei 12.304/2010, que criou a estatal, estabelece obrigações que estão trazendo dificuldades para a contratação de uma comercializadora ou trading.

O artigo 4º prevê como uma das funções da PPSA “monitorar e auditar as operações, os custos e os preços de venda de petróleo, de gás natural e de outros hidrocarbonetos fluidos” extraídos dos campos concedidos sob o regime de partilha da produção.

Outros critérios da Resolução 12/2016 do CNPE – e que restringe a capacidade de contratação da PPSA – obrigam, por exemplo, que sejam adotados mecanismos contratuais “que busquem a minimização dos custos inerentes à atividade de comercialização pelo agente comercializador” do petróleo ou gás, e a “minimização dos riscos da União associados à atividade de comercialização”.

Entre as obrigações do comercializador, o artigo 4º da resolução prevê que ele “deverá definir o comprador final observando a presente política e os critérios objetivos estipulados contratualmente pela PPSA”. A Petrobras, que podia ser contratada diretamente pela PPSA, não se interessou pelo negócio. O mesmo aconteceu com as “tradings” internacionais que operam no segmento. Na avaliação de uma fonte da indústria, a legislação da forma como está cria um negócio que entra “no intestino comercial” das companhias, com o governo querendo ter certeza de que não vai perder um centavo, ignorando os riscos comerciais assumidos pelo comprador.

“As cargas trocam de mãos. Uma companhia pode vender para outra. Em algumas operações o petróleo muda de mãos três ou quatro vezes antes de chegar ao destino”, explica uma fonte.

A PPSA já consultou algumas companhias de petróleo que operam no Brasil sobre o interesse de comprar o petróleo da União. Flores Lima citou a Petrobras, Repsol, Galp, Shell e as chinesas CNPC e CNOOC entre as que manifestaram interesse. Algumas já são sócias dos campos de onde ele será extraído. Outras têm participação acionária nos campos gigantes como Libra e Lula, para citar alguns.

Segundo o presidente da PPSA, a venda direta para essas empresas, que ficariam encarregadas de retirar o petróleo nas plataformas onde fica armazenado, pode ser feita por meio de uma processo de licitação simplificada. A venda será fechada com quem oferecer o melhor preço para a União.

Ao mesmo tempo em que o governo se movimenta para resolver os entraves da comercialização do petróleo da União, a ANP vai contabilizar em janeiro de 2018 o novo preço de referência do petróleo. Até agora critérios usados pela ANP para o cálculo seguem portaria de 1998 e duas portarias de 2000. O novo preço de referência será calculado tomando como base uma cesta formada por até quatro tipos de petróleos comercializados no mercado internacional, convertidos para o real. Os novos critérios foram definidos pela Resolução nº 5/2017 do CNPE.

Apesar de a nova fórmula valer a partir de janeiro, a metodologia de cálculo não terá efeito imediato sobre os pagamentos, já que o Decreto 9.042, de maio de 2017, prevê quatro anos para a introdução gradual do novo preço de referência. Isso significa que as duas metodologias vão conviver até 2022.