Por Ribamar Oliveira – Valor Econômico

O governo vem utilizando, cada vez mais, a remuneração das disponibilidade do Tesouro Nacional, depositadas em sua Conta Única no Banco Central, para pagar gastos correntes. De janeiro ao dia 11 de novembro deste ano, essa fonte de receita já financiou despesas no montante de R$ 93,2 bilhões, de acordo com dados do Siafi – o sistema eletrônico que registra todas as receitas e despesas da União. A previsão orçamentária é de que chegue a arcar com despesa total de R$ 114,5 bilhões.

Do dinheiro gasto até agora, R$ 63 bilhões foram usados para pagar benefícios previdenciários urbanos, R$ 7,6 bilhões para pensões a militares das Forças Armadas e R$ 1,78 bilhão com o seguro desemprego, entre outras despesas.

A receita foi usada também para pagar gastos corriqueiros, como a instalação do gerador de energia fotovoltaica do Tribunal Regional Eleitoral do Paraná, no valor de R$ 14,9 mil, e a construção do edifício-sede da Procuradoria da República em Belém do Pará, que custou R$ 2,4 milhões. Mais de 300 despesas diferentes foram pagas, neste ano, com essa fonte de recursos.

Em 2016, a remuneração da Conta Única, no valor de R$ 106,3 bilhões, de acordo com dados do Tesouro, foi superior ao total arrecadado pela Receita Federal com o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e com o PIS/Pasep, somados. É importante observar que essa receita não é primária. É uma receita financeira, pois são juros pagos pelo BC ao Tesouro. Ou seja, o governo não pode usar os recursos para reduzir o déficit primário de suas contas.

A rigor, até 2009, a receita da remuneração da Conta Única do Tesouro foi utilizada inteiramente para pagar a dívida pública. A partir de 2010, ela começa a ser usada para outras finalidades. Naquele ano, uma parte foi transferida ao Fundo de Arrendamento Residencial (FAR). Em 2011, foi usada no pagamento de aposentadorias e pensões, embora a maior parte continuasse a quitar a dívida.

Em 2013, o governo ampliou o uso da remuneração da Conta Única para bancar despesas correntes. Naquele ano, R$ 2,5 bilhões foram destinados, por exemplo, à concessão de financiamentos estudantis, por meio do Fies. Com os déficits primários continuados, a receita passou cada vez mais a bancar despesas correntes e, em 2016, nenhum centavo foi destinado ao pagamento da dívida, o que também está acontecendo neste ano.

A conta única do Tesouro junto ao Banco Central foi criada em 1988, permitindo a eliminação de mais de 5 mil contas bancárias governamentais. Ela reune todas as disponibilidades financeiras da União, como, por exemplo os superávits primários acumulados ao longo dos anos, os pagamentos feitos pelos Estados e municípios por conta da renegociação de suas dívidas e os resultados positivos do BC transferidos ao Tesouro.

A medida provisória 2.179-36 determinou que as disponibilidades de caixa da União depositadas no BC fossem remuneradas, a partir de 18 de janeiro de 1999, pela “taxa média aritmética ponderada da rentabilidade intrínseca dos títulos da dívida pública mobiliária federal interna de emissão do Tesouro em poder do BC”. Os recursos depositados na conta única foram aumentando ao longo dos anos, até atingir a impressionante cifra de R$ 1,039 trilhão em 2016.

Houve um forte aumento da conta única depois de 2014. Em apenas dois anos (2015 e 2016), ela cresceu R$ 433 bilhões, mesmo com o governo central (Tesouro, Previdência e Banco Central) tendo registrado déficits primários em suas contas superiores a 2% do Produto Interno Bruto (PIB) ao ano, no período.

Uma explicação pode ser, de acordo com especialistas ouvidos pelo Valor, o forte resultado positivo obtido pelo Banco Central, por causa das desvalorizações cambiais ocorridas nesse período. Como as reservas internacionais do país são registradas em reais na contabilidade do BC, toda vez que a moeda brasileira sofre desvalorização, frente ao dólar, aumenta o valor das reservas em reais.

A diferença contábil entre o valor das reservas antes e depois da desvalorização do real é contabilizada como lucro do BC e transferido ao Tesouro, em espécie, ao final do semestre. Isto, no entanto, é um lucro só contábil, pois não houve venda efetiva das reservas.

Questionado pelo Valor, o Tesouro confirmou, por meio de sua assessoria de imprensa, que está mesmo usando a remuneração da conta única para pagar despesas correntes. Informou que “não há legislação que vincule a remuneração da conta única ao pagamento de uma despesa em particular”. Por esta razão, o Tesouro explicou que “não há irregularidade em usá-la para cobrir despesas correntes”.

Uma fonte da área econômica disse ao Valor que o uso da remuneração da Conta Única para pagar despesas correntes reduz a necessidade de emissões de títulos, ajudando o governo a cumprir a chamada regra de ouro das finanças públicas.

Segundo esta regra, as operações de créditos da União não podem exceder o montante das despesas de capital (os investimentos, as inversões financeiras e os juros reais).