Por Daniel Rittner – Valor Econômico

13/04/2018 – 05:00

Um dos alvos preferenciais na lista de reclamações da iniciativa privada e de setores do governo responsáveis por investimentos em obras de infraestrutura, a demora no licenciamento ambiental continua aumentando. O tempo médio gasto pelas empresas para obter todas as autorizações do Ibama subiu de 1.905 dias em 2015 para 2.131 dias em 2017, segundo levantamento da Confederação Nacional Indústria (CNI) que será levado às equipes dos candidatos à Presidência da República. Isso significa um intervalo de quase seis anos entre a abertura de processos na autarquia federal e a concessão da licença de operação, último aval necessário para a entrada em funcionamento de um projeto.

Muitos empresários se queixam de que o licenciamento está não apenas mais demorado, como também mais caro. O Instituto Acende Brasil observa que os custos socioambientais passaram, nas últimas duas décadas, de 6% para 20% no orçamento total de novas usinas hidrelétricas. Além de medidas óbvias, como mitigação das perdas de fauna e flora, gastase cada vez mais com a compra de terrenos e reassentamento de comunidades atingidas. Ações como a construção de hospitais e rede de coleta de esgoto entraram no rol de exigências.

Paradoxalmente, os crescentes investimentos para remediar o impacto de grandes projetos não têm se revertido em maior previsibilidade no rito do licenciamento. Nota-se um engajamento forte do Ministério Público e tendência da Justiça em acolher as teses de procuradores. De cada vez cinco ações civis públicas pedindo liminares contra o andamento das obras, três são acatadas e causam atraso nos cronogramas de implantação dos projetos.

Licenciamento está mais demorado e também mais caro

Evidentemente há exageros. A Triunfo, responsável pela concessão de um corredor rodoviário que inclui a BR-262 em Minas Gerais, demorou meses a mais do que o previsto para iniciar a duplicação da estrada. Ela foi obrigada pelo Iphan a fazer perfurações, nos arredores do Triângulo Mineiro, para se certificar de que não havia resquícios arqueológicos no subsolo. Tudo isso à beira de uma pista que já existia e aberta ao tráfego por muitas décadas. Ou seja, se havia risco de estrago, ele estava mais do que consumado.

Em outros tantos casos, porém, a culpa que recai sobre o licenciamento ambiental tem origem em simplificações ou ignorância sobre fatos históricos. Causa espanto, no setor elétrico, como a linha de transmissão Manaus-Boa Vista (leiloada em 2011) nunca saiu do papel e deixa Roraima como último Estado do país fora do sistema interligado. Queima-se óleo em usinas térmicas e quase R$ 500 milhões são desembolsados por ano na compra de combustível. Mas há desinteresse – e até deboche – quando se fala no olhar tão crítico da Funai e do MPF à obra.

O traçado do “linhão” corre em paralelo à BR-174 e atravessa uma reserva indígena. A construção da rodovia, na ditadura militar, provocou o massacre de dois mil índios da etnia waimiri-atroari. Eles foram reduzidos a um terço de sua população original e a memória da chacina faz com que tenham desconfiança sobre os impactos da abertura de canteiros para espetar torres de transmissão em suas terras. Atribui-se a Fernando Ramos Pereira, governador de Roraima entre 1974 e 1979, a seguinte frase: “Uma área rica como a nossa não pode se dar ao luxo de conservar meia dúzia de tribos indígenas atravancando o seu desenvolvimento”.

Os órgãos licenciadores têm o dever não apenas de negar sinal verde em algumas ocasiões, como foi o caso do Ibama com a megausina de São Luiz do Tapajós (PA), mas de apontar melhorias possíveis em projetos apresentados pelas empresas.

Pena que, na maioria das vezes, o licenciamento seja visto como mero formalismo burocrático, como um processo cartorial, no qual entra-se com uma demanda e espera-se sair depois de alguns meses com autorização para colocar os tratores em movimento.

A presidente do Ibama, Suely Araújo, insiste em que não precisa ser assim. Pode-se pensar no licenciamento como uma ferramenta, um diálogo, capaz de aperfeiçoar projetos. Para não abusar do palavrório, ela cita um exemplo que julga de sucesso: o S11D, na Serra de Carajás (PA), maior complexo de mineração na história da Vale. A partir de questionamentos dos analistas ambientais, a companhia aceitou uma série de mudanças no plano original que tornaram o projeto mais amigável: houve redução do desmatamento, criação de um parque de 70 mil hectares, ausência de represa para depósito de rejeitos, uso menor de caminhões para escoar a produção da jazida.

Essa postura de um jogo ganha-ganha é mais exceção do que regra. “Enxerga-se ainda o licenciamento, no setor público e no setor privado, apenas como uma barreira a ser superada”, diz Suely, em tom sutil, usando a diplomacia adquirida em 25 anos como consultora da Câmara na área ambiental.

Mais explosiva, a ex-ministra Izabella Teixeira (Meio Ambiente) espumava de raiva: tinha uma lista de trechos inteiros copiados por empresas de um relatório de impacto ambiental para outro. Puro Ctrl+C e Ctrl+V. Como simples tentativa de ganhar tempo na elaboração dos estudos, que tinham sua fragilidade escancarada e precisavam ser refeitos. “E depois a culpa é do Ibama?”, inconformava-se.

Cobra-se mais celeridade da autarquia, mas o número de servidores encolheu 35% desde 2010 e um quarto do atual contingente se aposenta nos próximos cinco anos. Falar em novas contratações em tempos de teto de gastos soa incoerente, melhor reclamar da qualidade dos serviços públicos.

Não há dúvidas de que existe um enorme espaço para aperfeiçoar o sistema de licenciamento. Uma lei geral sobre o assunto está pronta para votação na Câmara e, em tese, era excelente oportunidade para avanços. Mas, diante do poder dos ruralistas e da desarticulação completa da base aliada, teme-se que a última versão do projeto – fruto do acordo possível entre os interessados – seja desfigurada.

Depois, não adianta chorar pelo estouro das barragens que transformam rios doces em lamaçais. Ou agir como os loiros que dão uns trocados para combater o desmatamento na Amazônia e passam pito em presidente brasileiro, enquanto contaminam águas no Pará.

Daniel Rittner é repórter especial. Hoje, excepcionalmente, deixamos de publicar a coluna de Claudia Safatle.