Por Marta Watanabe – Valor Econômico

02/07/2018 – 05:00

A lei que validou os incentivos fiscais de ICMS concedidos ilegalmente pode não acabar com a guerra fiscal, mas deverá provocar redução de R$ 9,38 bilhões na arrecadação da União este ano, segundo projeções da Receita Federal. Além de permitir a convalidação dos benefícios de ICMS oferecidos anteriormente sem autorização do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), a Lei Complementar 160 permite que as empresas deduzam os incentivos de ICMS da base de cálculo de tributos federais. Pelas contas do Fisco, o valor projetado para essas deduções foi de R$ 20,23 bilhões.

O valor deve reduzir a base de cálculo para quatro tributos federais: IRPJ, CSLL, PIS e Cofins. É essa dedução que deve gerar perda de arrecadação de R$ 9,38 bilhões à União em 2018. O valor representa cerca de 2% da arrecadação no ano passado com os quatro tributos.

A dedução para esses tributos não estava no texto original proposto pelo governo federal para a lei de convalidação.

Inserida durante o trâmite legislativo, a dedução foi vetada pelo presidente Michel Temer ao sancionar a lei complementar.

O Congresso, porém, derrubou o veto.

O impacto efetivo da nova lei, cujo objetivo era acabar com a guerra fiscal, é controverso. O economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal (CCiF), diz que a lei da convalidação teve, como ponto positivo, dar solução à insegurança jurídica das empresas que usam os incentivos concedidos sem autorização do Confaz. Não havia, diz ele, condições de se exigir das empresas o pagamento do ICMS dos últimos cinco anos e nem de eliminar os benefícios fiscais do dia para a noite.

A lei da convalidação, porém, avalia Appy, não irá acabar com a guerra fiscal de ICMS. Ele explica que a LC 160 permite que os atuais incentivos sejam prorrogados por até 15 anos e que sejam estendidos pelos Estados a novas empresas que se instalarem em seu território. Essa possibilidade, juntamente com a chamada “cola” de incentivos concedidos por outros Estados, diz, poderá elevar ainda mais a concessão de benefícios.

A “cola” permite aos Estados oferecer às empresas isenções, incentivos ou benefícios concedidos por outros Estados da mesma região. O maior volume de incentivos fiscais deve agravar ainda mais a situação das finanças estaduais, avalia o economista.

“Por exemplo, o Estado A deixa de receber um investimento que viria naturalmente para ele porque o perdeu para o Estado B, em razão de incentivos fiscais.” No Estado A, diz ele, a empresa estaria submetida a uma alíquota interestadual de 12%.

O Estado B oferece redução de oito pontos percentuais do imposto devido. “Ou seja, o Estado B recolhe ICMS de 4%. E o Estado A deixa de receber um imposto de 12%”, explica.

Houve uma pressão muito grande sobre o efeito que a eliminação dos incentivos de uma hora para outra poderia ter sobre as empresas, lembra o economista. Uma das soluções possíveis para isso, diz Appy, seria a redução gradual dos incentivos de ICMS existentes. Ele lembra que essa determinação estava na proposta original do governo federal para a lei da convalidação, mas foi excluída do texto final. “Daqui a 15 anos, o argumento de que o fim dos incentivos trará impacto para as empresas será usado para defender a manutenção dos benefícios. E assim os incentivos não acabarão nunca.”

Uma solução mais definitiva para a guerra fiscal, defende o economista, seria uma reforma tributária com a unificação dos tributos cobrados sobre consumo e cobrança no destino.

André Horta, secretário de Tributação do Rio Grande do Norte e coordenador dos Estados no Confaz, diz que a reforma

tributária deverá acontecer no decorrer dos próximos anos e isso naturalmente acabará com os incentivos fiscais. Por isso, diz ele, não procede a avaliação de que os benefícios de ICMS irão avançar nesse período de 15 anos.

O secretário defende também a aplicação de alíquotas diferenciadas do tributo como forma de redução das desigualdades regionais. Os incentivos tornaram-se ilegais, diz ele, porque demandavam ser aprovados por unanimidade no Confaz, o que era inviável.

Em junho, explica Horta, os Estados se dedicaram a levantar e informar ao Confaz os documentos nos quais concedem os incentivos às empresas. A esses documentos, que discriminam os beneficiários dos incentivos oferecidos por cada Estado, terão acesso apenas os governos estaduais da mesma região, para possibilitar a cola, afirma o secretário. As normas e atos que concedem os incentivos, sem discriminar os beneficiários, diz, já foram publicados pelos Estados nos respectivos diários oficiais.

Enquanto os Estados se organizam para fazer valer a lei complementar, o governo do Amazonas foi ao Supremo Tribunal Federal para questionar a convalidação. Já pediram para participar da ação entidades que reúnem frigoríficos, usinas de açúcar e álcool e indústrias de Goiás. Todos a favor da manutenção da anistia e da manutenção da lei complementar.

O governo do Amazonas alega que a Lei Complementar 160, juntamente com o Convênio Confaz 190, ao permitirem a anistia, provocam o esvaziamento dos benefícios concedidos às indústrias da Zona Franca de Manaus.

O Estado pede no STF a concessão de liminar ao alegar, em ação direta de inconstitucionalidade, que já tem perdido investimentos para outros Estados. Dá como exemplo a joint venture entre a americana Qualcomm e a coreana USI. As companhias anunciaram no início do ano que irão instalar produção no Estado de São Paulo.

O governo amazonense diz que a anistia elimina o diferencial atrativo que a Constituição garantiu à região da Zona Franca de Manaus. Segundo o Estado, a zona franca deve ter tratamento fiscal diferenciado em relação ao aplicado no restante do território nacional.