Por Talita Moreira – Valor Econômico

Os crimes empresariais escancarados pela Operação Lava-Jato e uma série de mudanças regulatórias têm levado os bancos a reforçar uma de suas áreas mais sensíveis: o compliance, departamento que assegura o cumprimento de normas.

A preocupação tem razão de ser. O envolvimento mesmo que indireto numa atividade ilícita pode arruinar a reputação de uma instituição financeira e, no limite, até quebrá-la. “Essas questões ganharam uma dimensão tão grande quanto o risco de crédito”, afirma um executivo de um grande banco, que prefere não ter seu nome revelado.

Maior banco privado do país, o Itaú Unibanco contratou mais 300 pessoas para o compliance desde o ano passado. A área, que agora conta com 1,6 mil funcionários, também ganhou status de diretoria-executiva. Segurança corporativa, conduta e controles internos estão sob o escopo da unidade, comandada por Fernando Malta. “Intensificamos muito também o treinamento e a preparação das áreas de negócios”, afirma o executivo.

O Bradesco também fez contratações ao longo do último ano, embora não revele quantas. O departamento de compliance, conduta e ética tem hoje 300 pessoas. No total, cerca de 1,6 mil funcionários do banco lidam com questões relacionadas ao tema, segundo Alexandre Glüher, vice-presidente responsável pelas áreas de relações com investidores e gestão de riscos.

No Banco do Brasil (BB), a área diretamente responsável pelo compliance agregou mais 50 pessoas desde o ano passado e agora conta com 330 funcionários. “Foi um processo natural de evolução da estrutura”, afirma Márcio Hamilton, vicepresidente de controles internos e riscos.

Além das contratações, os bancos têm investido em treinamentos e workshops para reforçar a mensagem de que todos os funcionários, de todas as áreas, são responsáveis pelo cumprimento das regras. “Diante do que o país está vivendo, ficou muito mais fácil disseminar essa cultura na instituição”, diz o executivo do BB.

O BTG Pactual ajustou sua estrutura de compliance e publicou um “programa de integridade” descrevendo o funcionamento da área.

Com as investigações da Polícia Federal, algumas questões ganharam força e passaram a ser discutidas com maior intensidade dentro e fora das instituições financeiras. Se um banco financia um consórcio que vence uma licitação à base de propina, ele tem alguma responsabilidade no caso? Quando R$ 51 milhões em espécie são encontrados num apartamento ligado ao ex-ministro Geddel Vieira Lima (PMDB), houve falha de controles? Em que momento e como esse dinheiro transitou pelo sistema?

Segundo um executivo que prefere não ser identificado, os bancos não podem impedir saques de qualquer valor, mas há um comércio paralelo de moeda em espécie alimentado por transações supostamente lícitas. “Esse volume de dinheiro à margem do sistema mostra que os controles das instituições financeiras funcionam bem. Do contrário, não seria necessário correr o risco de ter dinheiro em casa”, afirma.

Não é apenas o relacionamento com clientes que desperta questionamentos. Há, no mercado, grande expectativa sobre a delação premiada de Antonio Palocci. Segundo reportagem publicada pelo Valor no dia 18, a proposta de colaboração do ex-ministro do governo Lula contém relatos sobre ilícitos e irregularidades que teriam sido praticados por instituições financeiras em contrapartida à aprovação de leis e normas relativas ao setor.

“Existe uma pressão enorme tanto local quanto externa por cumprimento de regras e punição”, afirma Renato Ximenes, sócio do escritório de advocacia Mattos Filho. Apesar de o cenário político contribuir para isso, essa cobrança não se dá apenas sobre bancos brasileiros. A crise financeira e as ações internacionais de combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo já vinham colocando sob maior escrutínio instituições financeiras de todo o mundo.

As políticas de compliance fazem parte da rotina dos bancos há anos. Porém, no Brasil, uma leva recente de medidas tem tornado mais específicas as exigências. No fim de agosto, o Conselho Monetário Nacional (CMN) tornou obrigatória a implantação de programa de conformidade pelas instituições financeiras. Antes disso, em fevereiro, o Banco Central havia emitido regra sobre gerenciamento integrado de riscos de diversas naturezas, inclusive fraudes, e determinou a criação de comitês independentes para gerenciá-los.

A medida provisória (MP) 784, que permite ao BC firmar termos de compromisso e acordos de leniência na esfera administrativa, e os regulamentos sobre “fintechs” – empresas de tecnologia financeira – e segurança cibernética, que estão em consulta pública, também perpassam o tema.

“O compliance definitivamente entrou na agenda dos bancos”, diz Fabio Braga, sócio do Demarest Advogados. De acordo com ele, o escritório tem recebido um volume maior de consultas sobre o assunto, principalmente por causa das novas regras.

Segundo Glüher, do Bradesco, a maior preocupação hoje é definir o escopo de legislações locais e externas e acompanhar a implementação dos programas de conduta para garantir que a instituição esteja em conformidade com essas diversas normas.

Outro fator que tem exigido esforço extra das áreas de compliance é atender o volume de pedidos de informações feitos pelas autoridades em investigações sobre corrupção e lavagem de dinheiro. As instituições têm de reportar transações suspeitas ao Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), mas nos últimos anos passaram a receber mais solicitações de órgãos como Ministério Público e Polícia Federal. “Aumentou muito o volume de investigações sobre crimes financeiros e as perguntas ficaram mais sofisticadas”, diz um executivo de banco.

Essa demanda contribuiu para acelerar investimentos em tecnologias como “big data” e “machine learning”, que permitem cruzar rapidamente um volume enorme de dados. “Conseguimos atuar em tempo mínimo em coisas que demoraríamos de dois a três meses para fazer alguns anos atrás”, observa Malta, do Itaú. Ele diz que o banco dobrou os investimentos em sistemas na área, mas não revela o valor.

Embora os bancos já adotassem políticas do tipo “conheça seu cliente” (uma espécie de “due diligence”), hoje eles tendem a fazer uma análise mais aprofundada, diz Renato Portella, do Mattos Filho. “Estão fazendo perguntas que antes não eram feitas.”

As instituições têm se mostrado mais preocupadas em não financiar companhias envolvidas em casos de corrupção e com problemas socioambientais, acrescenta Renato Ximenes, também do Mattos Filho.

Apesar disso, os executivos de bancos dizem ser praticamente impossível assegurar que nenhuma operação problemática volte a acontecer. “As companhias que apareceram em casos de corrupção operavam normalmente no mercado. São grupos que tinham empresas não envolvidas em irregularidades”, observa uma fonte.

Para Ximenes, as práticas de compliance no mercado brasileiro são muito parecidas com as internacionais. “O que está acontecendo é que agora há uma oportunidade mais explícita de testar se esses controles estão funcionando ou se são apenas formais”, afirma.