Por Rodrigo Rocha – Valor Econômico

18/07/2018 – 05:00

A estrutura regulatória do saneamento sempre foi apontada como principal entrave para a participação da iniciativa privada, seja por conta da lógica municipalizada ou pela incerteza da estrutura tarifária. A Medida Provisória (MP) que altera o regulamento do setor abre espaço significativo para ampliar essa participação e já empolga as principais companhias do segmento.

Entre as mudanças mais importantes da MP, a proposta padroniza a estrutura dos contratos fechados entre municípios e empresas estaduais e privadas. Atualmente, as empresas de saneamento ligadas aos Estados assinam o chamado “contrato de programa”, que não possui regras tão rígidas quanto as das concessões e parcerias fechadas com a iniciativa privada, que demandam processo licitatório.

Além disso, a MP dá mais poderes à Agência Nacional de Águas (ANA), que, entre outras atribuições, estabeleceria parâmetros sobre regulação e regras tarifárias a serem adotadas pelas agências locais. Atualmente, existem 49 agências reguladoras de saneamento no Brasil, entre entidades estaduais, municipais e regionais.

“O que se percebe é que, nos dez anos da lei, ela contribuiu para o avanço do saneamento. No entanto, todo o governo viu que a ela precisava ser aprimorada para conseguir alcançar os investimentos necessários”, explica Paulo Roberto de Oliveira, vice-presidente da Abcon, associação que representa as companhias privadas de saneamento.

Segundo um levantamento da entidade, atualmente, 6% dos municípios brasileiros têm apoio da iniciativa privada nas operações de saneamento, seja em concessões plenas ou em parcerias com companhias estatais.

Uma das empresas mais empolgadas com a MP é a Águas do Brasil, operadora privada do setor e que tem operações nos Estados do Rio de Janeiro, São Paulo e Minas Gerais. A companhia, inclusive, já tem mapeada algumas oportunidades que levam em conta a possibilidade de abertura de chamamento público para renovação dos contratos.

Carlos Eduardo Castro, diretor comercial do Grupo Águas do Brasil, afirma que, dos possíveis contratos a vencer nos próximos cinco anos, entre 40 e 50 municípios interessam à operadora. “Vemos a MP como extremamente favorável não só para as privadas, mas para o setor. É uma oportunidade de desenvolvimento”, afirma. “Do ponto de vista conceitual, o artigo 10-A [que obriga o chamamento público] traz uma isonomia de competitividade. Ele faz com que o chefe do executivo tenha o dever de buscar a proposta mais vantajosa, e isso não exclui a empresa pública. Todos terão que buscar eficiência.”

O artigo 10-A da MP do saneamento é o principal alvo das críticas das operadoras estaduais, que veem a medida como um risco para a política do subsídio cruzado, em que as operações lucrativas compensam os custos dos municípios deficitários.

A Aesbe, associação das operadoras estaduais, pretende inclusive tentar anular administrativamente e judicialmente a MP, para evitar, principalmente, o artigo polêmico. Este ponto, em especial, seria valido daqui a três anos, prazo inclusive considerado longo por parte das empresas privadas.

Teresa Vernaglia, presidente da BRK Ambiental, destaca que a MP, no entanto, não é apenas o 10-A, instituindo medidas que podem desafogar vários problemas do setor. A BRK é resultado da aquisição, no ano passado, dos ativos de saneamento da Odebrecht Ambiental pela canadense Brookfield e já nasceu como uma das principais operadoras privadas do país. Entre as inovações presentes na lei e que podem beneficiar os investimentos, Teresa lembra questões como a regulação da conexão à rede de esgoto. “Cerca de 3,5 milhões de brasileiros não estão conectados à rede de esgoto, mesmo com acesso disponível. Isso interessa a empresas privadas e públicas.”

A BRK tem uma peculiaridade importante em relação às suas concorrentes, pois é a única companhia privada do país a deter uma operação estadual, a Saneatins, do Tocantins. Nesse sentido, a empresa sente na pele a lógica do subsídio cruzado, e mesmo assim acredita que a mudança pode ampliar os investimentos. Uma das possibilidades citadas por Teresa é a de que municípios menores se associem para criar consórcios e abrir a possibilidades de parcerias com empresas públicas e privadas.

O advogado Rafael Vanzella, sócio na área de infraestrutura do escritório de advocacia Machado Meyer, explica que a MP reforçou o poder de uma outra regra de negociação entre cidades vizinhas e regiões metropolitanas, o Estatuto da Metrópole. “É um ponto que facilita a participação da iniciativa privada, pois mitiga o conflito de competências”, afirma. A MP reforça a necessidade de formação de colegiados com participação municipal e estadual para a gestão de ativos compartilhados.

Vanzella lembra ainda que, apesar da maior parte dos mecanismos da MP ser de adoção facultativa, a aceitação condiciona o financiamento federal dos projetos de saneamento. O uso dos parâmetros de regulação criados pela ANA, por exemplo, é uma das condições para conseguir apoio dos bancos Caixa e BNDES, dois dos maiores financiadores do setor.

Atendendo 7,5 milhões de pessoas, a Aegea adota uma postura mais conciliadora em relação à MP, e acredita que, mesmo sem o artigo polêmico, o texto já seria um avanço para o segmento. “Traria igualdade de condições de controle social das concessões e serviços. Ao nivelar pelo contrato de concessão, do ponto de vista de transparência, a medida institui o controle social para facilitar que o prestador de serviço não satisfatório, público ou privado, seja alvo de questionamento”, afirma Rogério Tavares, vice-presidente de relações institucionais da Aegea.

Tavares destaca que as mudanças devem abrir oportunidade não só para as companhias presentes no brasil, mas para uma série de concorrentes, principalmente estrangeiras, que já demonstraram interesse no mercado brasileiro, mas vinha sofrendo com a ausência de projetos relevantes. “Acreditamos que podemos operar pelo menos 30% do saneamento no Brasil e, com apoio da MP, esse número pode ser alcançado em 15, 20 anos.”

Apesar da alegria com a possibilidade de mudança, Gustavo Guimarães, presidente da Iguá Saneamento, ex- CAB Ambiental, vê os efeitos da MP como uma questão de médio prazo. “A MP cria as condições, mas é preciso que as modelagens de projetos aconteçam, e isso deve demorar ao menos um ano”, afirma.

Guimarães também diz acreditar que há boas chances de o texto da MP ser aprovado pelo Congresso dentro de 120 dias, antes que perca a validade. “Entendemos que há interesse do governo para que isso aconteça, não exatamente como está, mas com essa estrutura. É uma questão de vontade política.”