Por Chrystiane Silva e Lucas Hirata – Valor Econômico

O próximo mês terá o maior vencimento de títulos públicos prefixados do ano, em valor superior a R$ 78 bilhões em LTN (Letras do Tesouro Nacional), equivalente a 2,5% do total da dívida mobiliária federal. Com a expectativa de que os juros básicos da economia caiam a 7% ou até abaixo disso, é possível que parte desse lote comece a migrar para a renda variável, reforçando uma tendência crescente de busca por rentabilidade.

Parte dos investidores podem já ter rolado as aplicações em títulos públicos para prazos mais longos. Desde o começo de julho, quando houve o último vencimento de LTN, os leilões desses papéis ocuparam quase 80% dos títulos ofertados ao público pelo Tesouro Nacional em suas operações semanais. Em volume financeiro, foram quase R$ 80 bilhões de LTNs vendidas, metade do saldo dos títulos negociados no período.

Ainda assim, o espaço para a migração é considerável. De acordo com um gestor de fundos, a migração dos recursos da renda fixa para variável vai ser o ponto mais relevante para o comportamento da bolsa nos próximos 24 meses. Ele considera que é razoável uma migração entre 10% e 20% dos vencimentos entre outubro e os primeiros meses do ano que vem. O que pode frear esse movimento é a apreensão em relação às eleições presidenciais.

Além do lote de outubro de LTN, o mercado ainda tem pela frente grandes vencimentos no primeiro semestre de 2018. O de abril, também de LTN, é de quase R$ 90 bilhões. “Os investidores desses títulos são cativos e já estão trocando os papéis”, diz Marcelo Giufrida, gestor da Garde Asset Management. “É possível que haja uma migração dos fundos de pensão que detêm títulos prefixados para a renda variável”, acrescenta o especialista.

O sócio e gestor da MRJ Marejo, Guilherme Foureaux, afirma que é natural nessa fase do ciclo de corte de juros uma migração dos ativos da renda fixa para a variável, independentemente de fluxos específicos. “Estamos em um cenário de juros próximos a mínimas históricas”, diz. “Sem dúvida, esse cenário pode ajudar a ter um fluxo específico de curto prazo na bolsa. Mas os fatores estruturais, principalmente aqueles baseados na volta do crescimento e nos juros mais baixos a médio e longo prazo, são os mais relevantes para o fluxo estrutural para renda variável”, acrescenta.

De acordo com dados do Tesouro Nacional, a participação dos fundos de pensão no total da dívida pública mobiliária estava em 25,3%, em julho – dado mais recente. O percentual está mais baixo do que o registrado em maio, que ficou em 26,2%, embora acima dos 24,4% em julho de 2016. A parcela dos investidores não residentes na composição da dívida também está diminuindo no ano, o que pode significar uma mudança de estratégia de alocação dos investidores estrangeiros. Em janeiro, eles detinham 14,2% do total da dívida pública. Em julho, o percentual havia caído para 12,8%, quase quatro pontos percentuais abaixo do nível de um ano atrás.

Para Rodrigo Noel, especialista em portfólio da Itaú Asset Management, o cenário está positivo para a renda variável com a redução estrutural das taxas de juros. “A bolsa ganha impulso com a política monetária mais expansionista. Se o governo conseguir equacionar a questão fiscal, os juros vão ficar ainda mais baixos”, afirma o especialista.

Numa visão mais ampla, a gestora de recursos do Itaú tem recomendado aos seus clientes o investimento em bolsa de valores. “É inegável que o cenário econômico doméstico, caracterizado pela melhora do nível de atividade, queda de juros e inflação baixa, aliado a um cenário internacional bastante benigno, constitui um ambiente favorável para investimentos em ações”, diz Noel.

O diretor de renda fixa da Franklin Templeton no Brasil, Rodrigo Borges, aponta que a eleição do ano que vem será um fator determinante para a migração dos investimentos de renda fixa para a renda variável. “A eleição vai ser importante e, independentemente de quem ganhe, um candidato pró-reforma pode tornar o cenário mais consistente”, diz. “Se a economia continuar se recuperando com juro baixo e o mundo do jeito que está, não vejo motivo para não ter essa migração”, afirma.

Para que a renda variável volte a ganhar relevância na indústria de fundos de investimento será preciso um prazo entre seis ou sete meses, segundo Borges. A indústria administra hoje R$ 4 trilhões e apenas 4,56% estão em fundos de ações, e outros 20,05%, nos fundos multimercados. A maior parcela dos recursos está aplicada na renda fixa, 47,88%, segundo dados da Anbima. O executivo da Franklin Templeton afirma que se não houver reversão do cenário externo, com juro em queda e estabilização do crescimento, “as condições para migração estão dadas”.

Para Jorge Simino, diretor de investimentos e patrimônio da Fundação Cesp, é justamente a proximidade da eleição presidencial que pode limitar o redirecionamento de recursos para a bolsa de valores. “Mas ainda não há dados analíticos científicos para fazer uma ilação sobre o que pode ocorrer no ano que vem no mercado financeiro”, diz.

Ele afirma que o portfólio da instituição tem uma parcela pequena de NTN-B de curto prazo, títulos que pagam juros mais a variação do IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo). “Estamos estudando uma nova alocação em bolsa, mas ainda não definimos. Todo mundo está fazendo um esforço para dimensionar o potencial de crescimento da economia porque o lucro das empresas vai estar diretamente ligado ao desempenho do PIB”, diz.

O rendimento das carteiras de renda fixa ainda está positivo, mesmo com o declínio já em curso dos juros, diz Paulo Miguel, sócio da GPS Investimentos, gestora de patrimônio integrante do grupo Julius Baer. Ele aponta que ainda há prêmio em taxas prefixadas de renda fixa, principalmente em prazos mais longos. Por outro lado, o retorno ainda deve cair, assim como as taxas do CDI, à medida que o cenário benigno de inflação e corte da Selic se concretize.

“A demanda por diversificação, alongamento de prazos e tomada de riscos vai crescer conforme o efeito for se tornando mais evidente”, diz. “A chance de termos um cenário positivos é boa, até por isso aumentamos a posição em bolsa, mas ainda tem espaço para melhorar”, acrescenta.