Por Lucas Hirata e Lucinda Pinto

Os profissionais do mercado financeiro apostam que a inflação deve surpreender analistas e desacelerar num ritmo até mais acentuado que o esperado no boletim Focus. Isso não só indica que os investidores estão se posicionando para surpresas em relação aos preços como também justificaria cenários de queda da Selic até níveis inferiores a 7%.

A expectativa de inflação gira em torno de 2,91% para 2017 e 3,83% para o ano seguinte, de acordo com cálculos da asset MRJ Marejo baseadas em operações com derivativos. Os números são mais ousados que as estimativas do boletim Focus e se distanciam ainda mais da meta do Banco Central, de 4,5%.

“O que chama mais atenção é o ano de 2018”, diz o sócio e gestor da MRJ Marejo, Guilherme Foureaux. No ano que vem, pelo menos em peso, os preços de alimentos não contribuirão tanto para o enfraquecimento do IPCA. “E mesmo assim o mercado começa a trabalhar com a possibilidade de fechar abaixo de 4%”, acrescenta o profissional.

O cálculo dessa “inflação implícita” leva em consideração os contratos futuros de cupom de IPCA (DAP) negociados na B3. Estes ativos, em linhas gerais, dizem respeito à taxa de juro real. “Pode ser que as projeções do mercado, de juros de 7% ou até menos, estejam baseadas nessas expectativas de IPCA tão baixas no ano que vem”, destaca Foureaux A pesquisa Focus costuma trabalhar com alguma defasagem. Desde o início do ano, o boletim vem trazendo estimativas acima dos preços de mercado, revisando a cada leitura as expectativas para baixo. Atualmente, a mediana das projeções coloca o índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) em 3,08% neste ano e em 4,12% em 2018.

O Banco Central tem uma postura até mais cautelosa. Na última ata do Copom, a autarquia projetava que o IPCA ficaria em torno de 3,3% em 2017 e em aproximadamente 4,4% em 2018. Esse cenário considerava que a Selic passaria boa parte do ano que vem em 7% e subiria a 7,5% no fim de 2018.

Operadores chamam a atenção para a coleta diária de preços, que segue apontando para deflação. E, com isso, reforçam o otimismo com o resultado do IPCA-15 de setembro, que será conhecido amanhã. A prévia da inflação oficial deve ficar em 0,15%, de acordo com a média das estimativas coletadas pelo Valor Data. Para o sócio e gestor da Modal Asset, Luiz Eduardo Portella, esse ambiente tem reforçado as apostas numa Selic abaixo de 7%, o que ainda não está nos preços do mercado.

Até por isso, tem recuado o prêmio embutido nos juros futuros no horizonte do atual ciclo monetário. A diferença dos contratos de Depósito Interfinanceiro (DI) com vencimento em janeiro de 2019 e janeiro de 2018 – que reflete a percepção de risco ao longo do ano que vem – se aprofunda em terreno negativo e marcou ontem -0,180 ponto percentual, de -0,145 ponto no fim da tarde de segunda-feira.

O Relatório Trimestral de Inflação (RTI), também previsto para amanhã, trará as estimativas do BC para prazo um pouco mais longo. E a distância dos números da autarquia em relação ao centro da meta de inflação de 2019 vai ajudar a “indicar o espaço que o BC poderá enxergar para cortes adicionais, isto é, já além dos 7% projetados”, diz o economista-chefe do Rabobank Brasil, Maurício Oreng. O horizonte de 2019 ganha relevância, dado que o efeito total da política monetária se dá em dois anos, de acordo com estudos do próprio BC.

O cenário de juros mais baixos e expectativas de inflação também reduzidas afetam a atratividade de alguns títulos públicos, como aqueles atrelados ao IPCA. De acordo com o operador de uma corretora paulista, esse foi o caso de leilões recentes de NTN-B, quando foram vendidos pouco mais da metade do lote oferecido pelo Tesouro Nacional.

A sessão de ontem contou com nova queda nas taxas dos juros futuros. A taxa do DI com vencimento em janeiro de 2018 caiu a 7,580%, de 7,585% no ajuste anterior, e do DI para janeiro de 2019 recuou a 7,400%, ante 7,460% na mesma base de comparação.

Houve inclusive alguma descompressão em vértices mais diluídos. A taxa do DI para janeiro de 2021 cedeu a 8,870%, de 8,940% no ajuste da véspera. Apesar da cautela com a política, a percepção do mercado vai ficando menos negativa principalmente com sinais de recuperação da atividade.

O Instituto Internacional de Finanças (IIF) destaca, em nota, que a combinação de um fortalecimento econômico e fracas finanças públicas reduz o espaço para candidatos populistas antes da disputa de 2018.