Por Thais Carrança – Valor Econômico

Trabalhadores e patrões sentam à mesa de negociações neste segundo semestre diante de um cenário inédito: inflação em níveis historicamente baixos e a perspectiva de entrada em vigor da reforma trabalhista em novembro. A segunda metade do ano traz datas-base de categorias fortes, como metalúrgicos, químicos, petroleiros, comerciários e bancários.

Na ponta positiva, a baixa inflação promete maior proporção de ganhos reais para os funcionários e menor crescimento de custos para as empresas, o que deve contribuir para manter a inflação bem comportada também ao longo de 2018. Pelo lado negativo, sindicatos têm enfrentado maior dificuldade para fechar negociações, e o ganho real de renda obtido neste ano pode se transformar em perda no ano que vem, quando a inflação deve voltar a subir, ainda que de maneira bastante moderada.

Até agosto, 78,7% das negociações salariais resultaram em reajustes acima da inflação, contra 29,9% de acordos e convenções coletivas com ganho real em 2016, segundo o boletim Salariômetro da Fipe. Apesar da maior proporção de reajustes batendo a inflação este ano, as correções estão menores em termos nominais. Em agosto, o ajuste mediano foi de 3,4%, com ganho real de 1,3%, enquanto em igual mês de 2016, o ajuste mediano havia sido de 9,6%, mas sem nenhuma vantagem sobre a inflação.

Para Hélio Zylberstajn, coordenador do Salariômetro, essa tendência deve se manter nas negociações do restante do ano. “A magnitude dos reajustes vai ser pequena, um dígito só, e na metade inferior da primeira dezena; vamos ter reajustes em torno de 3%, 4%, mas ainda, provavelmente, com ganho real”, prevê.

Além de proporcionar ganhos reais aos trabalhadores, a temporada de negociações do segundo semestre deve ser positiva também para o custo das empresas, acredita Helcio Takeda, economista da consultoria Pezco. “O reajuste de salários vai se dar sobre uma inflação superbaixa, o que quer dizer que a estrutura de custos relacionada a mão de obra para o ano que vem vai estar balizada num patamar menor”, diz.

Em 12 meses até agosto, o INPC -indicador que mede a carestia para famílias com renda até cinco salários mínimos, usado como referência nas negociações salariais – acumula alta de 1,73%, menor patamar da série histórica iniciada em 1979. Para o fim de 2017, o mercado estima avanço de 2,82% para o indicador, segundo o boletim Focus. Já em 2016, o INPC acumulado em 12 meses foi de 9,56% em julho a 6,58% em dezembro, numa média de 8,47% no semestre.

Para Takeda, esse cenário de baixa inflação reduz o estímulo ao repasses de preços aos consumidores no momento da recuperação econômica. “Os baixos reajustes são facilmente absorvidos com o incremento do volume vendido, por isso, não há risco de pressão inflacionária.”

Embora a expectativa seja de inflação controlada nos próximos anos, para 2018, é esperada ligeira alta em relação a 2017. A inflação medida pelo IPCA é projetada para o ano que vem em torno de 4%, contra menos de 3% em 2017, segundo as estimativas de analistas colhidas pelo Focus.

“Esperamos que a inflação do ano que vem suba em relação à deste ano, isso vai gerar perda de renda real até que as negociações salariais voltem a ocorrer”, diz Renato Botto, gestor de renda fixa e sócio da Absolute Investimentos. Isso acontece porque os salários serão fixados este ano em patamar inferior à inflação corrente de 2018, gerando perda do poder de compra ao longo do próximo ano, até a próxima rodada de correções salariais.

Esse efeito, porém, deverá ser em parte compensado pela melhora esperada do mercado de trabalho. “Vai haver desaceleração dos ganhos reais, mas a massa de rendimentos continuará crescendo pela geração de vagas”, afirma Thiago

Xavier, analista de mercado de trabalho da Tendências Consultoria. Além da perda real de renda esperada para 2018, outro efeito negativo da baixa inflação é a dificuldade dos sindicatos em fechar negociações. “No geral, quando tem inflação baixa, ainda que haja ganho real, os sindicatos têm muita dificuldade de legitimar aquele ganho real”, diz o coordenador de relações sindicais do Dieese, José Silvestre.

Conforme o Salariômetro, em agosto foram fechadas 71 negociações salariais, contra 162 em igual mês de 2016, numa queda de 56%. “É mais fácil aprovar 10% de reajuste na inflação de 10%, do que 3% numa inflação de 3%, porque o número é muito pequeno. Há uma dificuldade do lado sindical de aprovar ganhos menores”, afirma Zylberstajn.

Segundo o economista, outro fator que tem travado as negociações neste segundo semestre é a tentativa dos sindicatos de neutralizar nos acordos e convenções coletivas alguns dos efeitos da reforma trabalhista, aprovada em julho e com previsão de entrada em vigor em novembro.

Essa será a estratégia adotada, por exemplo, pelo Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo e Mogi das Cruzes, ligado à Força Sindical. “Estamos colocando como salvaguarda na pauta pontos retirados da legislação trabalhista pela reforma”, relata Miguel Torres, presidente do sindicato. A entidade quer garantir, por exemplo, que questões como banco de horas e modalidades de contratação continuem a passar pela convenção coletiva e que homologações sigam sendo feitas nos sindicatos.

Com data-base em 1º de novembro, a categoria está atualmente em fase de assembleias. No ano passado, a campanha unificada que reúne 53 sindicatos resultou em ganho real entre 2% e 2,5%. Este ano, Torres acredita que a campanha será difícil, mas que um novo ganho real é possível. “Isso é bom até para o capital, porque o trabalhador com aumento real vai comprar, com isso o comércio e a indústria vendem. É primordial para a retomada do crescimento ter massa salarial”, diz o sindicalista.