Por Lucinda Pinto e Angela Bittencourt – Valor Econômico

Sergio Werlang, ex-diretor do BC: com juro e inflação baixos, investimentos na
economia real tendem a crescer

As recentes surpresas com a inflação para baixo, que resultam em projeções para o IPCA abaixo da meta nos próximos anos, não podem ser motivo de comemoração. Na avaliação de Sergio Werlang, ex-diretor de Política Econômica do Banco Central e atual assessor da Presidência da Fundação Getulio Vargas, índices de preços aquém do objetivo estabelecido para o Banco Central configura um erro no sistema de metas e precisa ser corrigido. Por isso, para Werlang, a taxa de juros precisa cair ainda mais, provavelmente para menos de 7%, como alguns economistas já estão projetando. “A meta [de inflação] é 4,5%, não é 3%, não é 4%”, disse, em entrevista ao Valor.

Para Werlang, um dos criadores do regime de metas de inflação no Brasil, a confirmação de que o país quebrou a espinha dorsal da inflação, como alguns analistas têm afirmado, depende ainda da garantia de que o próximo governo dará continuidade às reformas. Ele não acredita que a reforma da Previdência será aprovada ainda neste governo e, portanto, é fundamental que o próximo tenha compromisso com essa agenda.

De todo modo, o efeito positivo que a mudança de direção da política econômica tem produzido pode influenciar o resultado das eleições e abrir espaço para um candidato comprometido com essa política. “Estamos caminhando, mas com muito risco ainda pelo caminho.”

Veja, a seguir, os principais trechos da entrevista:

Valor: As projeções do mercado e do Banco Central apontam para uma inflação baixa nos próximos três anos. Isso mostra que o sistema de metas deu certo?

Sergio Werlang: A primeira observação que precisa ser feita é que o fato de a inflação estar abaixo da meta é sinal de que o sistema errou para baixo. Então a gente não tem que ficar feliz porque a inflação ficou abaixo da meta. A inflação tem que ser corrigida para ficar na meta no médio prazo. O sistema razoavelmente bem-sucedido, a gente já tinha visto no passado no Brasil. Mesmo com uma política monetária relativamente menos apertada como foi na época de Alexandre Tombini, ainda assim, a inflação ficou perto do teto. Então, de fato o sistema funcionou. Pode ter ocorrido de uma vez ou outra ter excedido [o teto], mas isso faz parte do regime. Quanto ao que nós estamos vendo hoje, de fato, temos um hiato [do produto] bastante forte, com uma recuperação que está começando agora. Fora outros fatores que podem ter influenciado muito, como os preços de alimentos. Isso teve como consequência uma inflação surpreendentemente abaixo do que se esperava. Então, o que na verdade tem que acontecer agora é que o juro terá que cair abaixo do juro de longo prazo para, ao longo do tempo, a inflação poder subir um pouco mais. Isso faz parte do sistema de metas. A meta é 4,5%, não é 3%, não é 4%.

Valor: Analistas estão falando em taxa Selic perto de 7% ou até abaixo disso. Esse movimento está adequado?

Werlang: Sim, sem dúvida. É possível que o juro tenha que cair bastante mesmo porque está muito abaixo da meta. É muito importante entender isso: nós não podemos ter inflação muito baixa no Brasil porque temos um gasto muito importante com funcionalismo público que não pode ser demitido, não pode ter o salário cortado. A única maneira de você conseguir fazer um ajuste nessa parte é com um reajuste salarial para o funcionalismo inferior à inflação. Então, se a inflação for muito baixa, nem um ajuste gradual dá para fazer. Fica tudo muito mais congelado, mais restrito do que aparenta. É muito importante ter um pouquinho de inflação, mais do que os outros países. A média da inflação dos emergentes está perto de 3%. A nossa tem que ser um pouco acima.

Valor: Quanto acima?

Werlang: A meta é um bom número. O governo baixou para 4% [a meta] para 2020. Então, tem que baixar bastante o juro nominal para que, bem lentamente, a gente não deixe a inflação cair muito. Isso está absolutamente dentro do sistema de metas.

Valor: Estamos caminhando de maneira segura para um futuro mais promissor para que o almejado crescimento econômico vingue?

Werlang: A resposta é: estamos caminhando, mas com muito risco ainda pelo caminho. Há inúmeros exemplos de coisas bem-sucedidas que aconteceram. Por exemplo, a aprovação da PEC do teto [dos gastos], a aprovação da flexibilização trabalhista, que será colocada em teste. Uma outra coisa importantíssima é a TLP, que reduz substancialmente o subsídio [aos financiamentos públicos]. Mas temos vários percalços. Um deles é olhar os gastos correntes e ver que estamos muito longe de uma política fiscal apertada. Alem disso, há vários setores do governo com muita resistência. Um exemplo é uma enorme resistência do BNDES em devolver os R$ 130 bilhões no ano que vem [referentes aos repasses que o Tesouro fez ao banco de fomento para equalizar os subsídios]. Isso foi dito com todas as palavras, e nada foi negado. Ou seja, realmente há essa indecisão do governo. Outros exemplos são: decidiu-se privatizar a Eletrobras, mas tem um monte de indefinições em relação a como e o que vai ser feito; decidiu-se fazer uma lista de aeroportos que vão ser privatizados, mas estamos vendo a administração de Congonhas tomando medidas para fazer concessões de áreas antes de ser feita a privatização, o que vai comprometer um pouco a rentabilidade futura do projeto, e nada é feito. De modo que temos sinais muito contraditórios. Fora a revisão da meta fiscal para R$ 159 bilhões de déficit. Mas as coisas continuam indo mais na direção correta. Basta ver o resultado prático da privatização das quatro usinas da Cemig.

Valor: Essas indefinições você atribui a uma corrida eleitoral que se desenha ou a toda essa investigação profunda dos anos recentes?

Werlang: Não sei dizer se é uma coisa ou outra, mas certamente o fato de estarmos perto das eleições tem um impacto extremamente importante. Por mais otimista que eu seja, não acho que será possível aprovar a reforma da Previdência, nem minimamente, como se achava antes. Essa será uma tarefa para o próximo governo. Então, a proximidade da eleição já está tendo seu custo.

Valor: Quando se falava em não aprovação da reforma da Previdência neste ano, analistas previam efeitos muito graves. No entanto, o mercado parece ter absorvido que essa reforma pode ficar realmente para 2019. O que mudou?

Werlang: Quando se dizia isso, não se sabia que haveria coisas adicionais. Por exemplo, que haveria devolução dos recursos pelo BNDES, não se sabia que a TLP seria aprovada, que o governo conseguiria vender as empresas da Cemig, não se sabia que haveria o anúncio da privatização da Eletrobras… ou seja, houve uma quantidade grande de notícias positivas que, de uma certa forma, compensam [a falta da reforma da Previdência] no curto prazo. Mas tudo vai depender dos candidatos que realmente terão chance no ano que vem. Como a reforma da Previdência é um tema fundamental para conseguir cumprir o teto no médio prazo, ela tem que ser uma reforma que realmente tenha efeito. Sem isso, não será possível, a conta não fecha. Isso terá que passar para o próximo governo. Se o próximo governo não tiver a capacidade de enxergar que essa é uma fundamental demanda da sociedade para a estabilidade do país, não levar adiante não vai funcionar. Mas as medidas que foram tomadas até agora e que começaram a corrigir as distorções criadas nos governos passados já estão gerando impacto na economia. Então, a aposta grande que está sendo feita é que isso é um bom sinal: as pessoas ficaram contentes e vão entender que essa guinada das políticas teve impacto positivo e vão endossar que o governo de 2019 em diante esteja comprometido com o mesmo tipo de política econômica. Essa expectativa existe.

Valor: De toda maneira, sem a reforma da Previdência no curto prazo, o Brasil corre o risco de ser rebaixado?

Werlang: Sim, corre esse risco. Contudo, eu acho que de uma certa forma isso já está no mercado secundário, no preço da dívida. Não será nada inesperado. O problema maior não seria o rebaixamento transitório, que poderá acontecer – embora a queda do juro ajude a dívida. Mas eu acho que o essencial é que fica adiada a volta ao grau de investimento. Isso, sim, é que o grande problema. Muito mais do que cair mais um degrau, o que talvez não fosse um grande problema dada a gravidade da situação.

Valor: A espinha dorsal da inflação foi mesmo quebrada?

Werlang: Vai depender dos candidatos com chance real de eleição. Quando ficar claro quem são os candidatos competitivos, vamos saber isso. Todo mundo vai ler o programa de governo deles e vai saber se eles irão se comprometer com o que falta fazer para colocar o país num caminho fiscalmente sustentável.

Valor: Se tudo der certo, vamos viver um momento inédito, de juros baixos com inflação baixa. O que isso vai representar de mudança?

Werlang: Isso tem um impacto natural de aumento do investimento. Pense num fundo de pensão que tem sua meta atuarial. Vai ser muito mais difícil de alcançar a meta e ele vai ter que aumentar, como em outros países acontece, os investimentos em renda variável, em private equity. Ou seja, você vai ter que aumentar o investimento na economia brasileira, e não nos títulos do governo. É natural que aumente o investimento, que estimule o processo de crescimento. O único ponto é que, para isso ser sustentável, é fundamental que haja equilíbrio fiscal de longo prazo. A conta tem que fechar.