Por Renan Truffi – Valor Econômico

05/07/2019 – 05:00

Empresários e parlamentares discutem nos bastidores a criação de uma nova entidade de caráter privado para representar a indústria. A ideia tem como entusiasta, entre outros, o empresário Jorge Gerdau, ex-presidente do grupo siderúrgico Gerdau. A proposta consiste em dar voz a um grupo de grandes empresas nacionais, sobretudo as mais abertas ao mercado global, insatisfeitas com o atual grau de representatividade.

O assunto foi debatido há três semanas em um jantar em Brasília, onde estavam Gerdau, deputados e senadores. O Valor confirmou o teor da conversa com duas fontes presentes ao encontro. Ambas pediram anonimato. No jantar, foi discutida a conveniência de criar a entidade neste momento. Os presentes também fizeram um diagnóstico da situação política e econômica do país.

O Valor consultou outros interlocutores próximos ao setor e confirmou a insatisfação com a representatividade do setor industrial. Uma das fontes explicou que há, sim, um movimento “discreto” em relação à formação de uma entidade que debata ideias para o desenvolvimento da indústria e também do país.

A nova entidade teria como foco retomar o papel de interlocução com o governo federal, propondo e discutindo ideias da indústria, sem no entanto “tomar o lugar” hoje ocupado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), como revelou uma das fontes.

Entre os que estiveram no jantar, a avaliação é que um dos pontos favoráveis à nova entidade é o fato de o Ministério da Economia, sob o comando de Paulo Guedes, defender cortes nos repasses de recursos do Sistema S, que ajuda a sustentar várias entidades empresariais, entre elas as ligadas à indústria.

Os envolvidos na discussão manifestam especial incômodo com o fato de hoje as principais entidades industriais do país serem lideradas, quase que exclusivamente, por advogados, políticos e industriais sem grande tradição.

Um exemplo citado foi a entrega da “Agenda Legislativa da Indústria 2019”, em sessão solene, no Congresso Nacional, em abril. Na ocasião, a CNI apresentou aos parlamentares um documento extenso com exatamente 123 propostas. Para tentar evitar uma dispersão em relação às prioridades da agenda, a entidade procurou destacar 14 proposições, que teriam “maior urgência” e, por isso, figurariam no que foi classificado como “pauta mínima”. Entre esses projetos, estão as reformas da Previdência e a tributária, a MP do Saneamento e o marco legal das agências reguladoras.

“Quem tem tantas prioridades não tem prioridade nenhuma”, afirmou uma das fontes, sobre o documento elaborado pela entidade. O Valor apurou que Gerdau, presidente do Conselho Superior do Movimento Brasil Competitivo (MBC), endossou esse tipo de crítica no jantar com os parlamentares.

A avaliação feita é que uma futura entidade deveria funcionar como uma coalizão ou associação setorial da indústria, com uma estrutura enxuta e corpo técnico de nível elevado, além de uma pauta mais objetiva e conectada aos interesses das empresas brasileiras.

Outro ponto é que a nova organização não poderia depender de financiamento estatal. A explicação é que “promoção setorial movida a dinheiro estatal não pode dar certo”. Fontes da equipe econômica reforçam que as mudanças no Sistema S não contemplariam entidades alternativas.

Uma das inspirações para a nova organização é o Instituto Pensar Agro (IPA), grupo privado que reúne entidades do campo e funciona como braço da bancada ruralista no Congresso. O instituto busca estratégias de desenvolvimento do agronegócio, apesar da existência da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA).

Outro exemplo discutido é o modelo da Kendaren, entidade japonesa que atua como guarda-chuva de organizações setoriais no país. Isso porque o problema de representação não seria das entidades da indústria que atuam em defesa de setores específicos, mas sim na representação da agenda industrial como um todo.

Há ainda uma insatisfação especial com dirigentes de entidades industriais. Alguns deles chegaram a ser presos, em fevereiro deste ano, em investigação da Operação Fantoche, sobre um suposto esquema de corrupção envolvendo contratos com o Ministério do Turismo e entidades do Sistema S. Na ocasião, o presidente da CNI, Robson Andrade, foi preso por ter liberado recursos para contratos suspeitos. Andrade foi libertado alguns dias depois.

Também sobram críticas para um suposto “excesso de portarias” editadas pelo governo, que teriam o objetivo de defender a indústria nacional das assimetrias da concorrência externa. Na avaliação de uma fonte, essas portarias têm se tornado, na verdade, uma “insanidade institucionalizada”.

O Valor procurou Gerdau, mas sua assessoria de imprensa afirmou que ele não iria comentar o assunto. A CNI, procurada, também não quis se manifestar. (Colaborou Ana Conceição, de São Paulo)