Por Talita Moreira e Flávia Furlan – Valor Econômico

08/01/2019 – 05:00

Com a promessa de um “novo olhar” sobre os bancos públicos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sinalizou ontem um recuo estratégico do Estado no mercado de crédito. As declarações embutem duas mensagens principais. Uma delas é a redução do chamado crédito com recursos direcionados, que em geral conta com taxas subsidiadas. Subsídio é válido, disse Guedes, se for para quem tem baixa renda e não para os “amigos do rei”.

A outra mensagem é sobre o papel dos bancos públicos em si. Para o ministro, houve uma estatização do crédito que foi danosa para o país, pois contribuiu para manter altas as taxas cobradas dos tomadores. “Quando o crédito é estatizado, sobra menos para o resto do Brasil e os juros são absurdos”, afirmou na cerimônia de posse dos presidentes do BNDES, do Banco do Brasil (BB) e da Caixa.

Embora não se trate de sinônimos, os bancos estatais são os grandes operadores do crédito direcionado no país – que foi impulsionado sob os governos petistas e já começou a ser reduzido nos dois anos da gestão de Michel Temer (MDB).

Os ex-presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e, especialmente, Dilma Rousseff (PT) atribuíram aos bancos públicos a tarefa de competir com os privados e forçar uma redução dos spreads (a diferença entre a taxa que uma instituição financeira paga ao captar recursos e a que cobra dos clientes). Os estatais enveredaram por áreas em que não tinham tradição, passando a financiar o consumo e grandes empresas – caso clássico foi o empréstimo de R$ 2,6 bilhões da Caixa à J&F para a compra da Alpargatas. Ao BNDES, coube a missão de financiar com juros baixos os eleitos para a política de “campeões nacionais”.

O resultado foi um salto na participação dos bancos públicos no estoque de crédito do país. De 2011 a 2015, a fatia das instituições de controle estatal passou de 43,6% para 55,8%. Essa participação recuou no governo Temer com uma forte desaceleração do BNDES e mudanças na gestão de BB e Caixa. Estava em 51,7% no fim de novembro.

Com o agravamento da crise fiscal, os bancos públicos tiveram de reduzir a exposição aos riscos para suportar a estrutura de capital que tinham. Esse recuo só não ficou mais evidente porque os bancos privados também desaceleraram no crédito diante da retração da economia.

Agora, o encolhimento dos bancos públicos no crédito deve se aprofundar. Isso se dará não apenas pela diretriz do novo governo, mas também porque os concorrentes privados já vêm mostrando maior disposição para tomar risco no crédito.

Para Alberto Ramos, diretor do departamento de pesquisas econômicas do Goldman Sachs para a América Latina, a expectativa é que os bancos públicos voltem a se concentrar em áreas não tão naturais para os privados. “Em vez de competir com os privados, vão complementar”, afirmou.

Nos últimos dois anos, já houve mudanças importantes no mercado. Um dos marcos foi a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP), mais próxima aos patamares de mercado, para substituir a TJLP nos financiamentos do BNDES. A medida representa um peso menor para os cofres públicos e estimula as grandes companhias a tomar recursos no mercado de capitais.

No Banco do Brasil, a gestão de Paulo Caffarelli (atual presidente da Cielo) procurou reprecificar as novas operações de crédito de com taxas de juros mais próximas às praticadas pelos bancos privados. Também foram priorizadas linhas de menor risco e margem mais elevada. Com isso, a instituição vem recuperando a rentabilidade. O retorno sobre o patrimônio líquido do BB, que foi de apenas 8,8% em 2016, subiu para 13,4% nos primeiros nove meses de 2018. Ainda assim, a instituição continua longe da faixa de 19% a 22% apresentada por Santander, Bradesco e Itaú Unibanco.

Para entregar a melhora de rentabilidade e o uso mais racional de recursos públicos que vêm sendo prometidos, a equipe de Guedes conta com a venda de ativos dos bancos estatais. Estão nos planos do novo presidente da Caixa, Pedro Guimarães, abrir o capital das unidades de cartões, seguros, gestão de recursos e loterias. No BB, o recém-empossado Rubem Novaes disse que serão vendidos ativos com pouca sinergia com as atividades principais – estratégia que já vinha sendo conduzida pela gestão anterior.

O novo comando dos maiores bancos públicos do país vai encontrar um cenário favorável. A taxa Selic está em nível historicamente baixo e o mercado de crédito se encontra em franca recuperação. O estoque de saldos e financiamentos deve ter fechado 2018 com o primeiro crescimento em termos reais em quatro anos (os números só serão divulgados pelo Banco Central no fim deste mês). Os empréstimos e financiamentos para pessoas físicas e para micro, pequenas e médias empresas estão em alta desde o fim de 2017. As operações com grandes empresas continuam em ritmo lento, mas o risco de inadimplência diminuiu significativamente.