José Márcio Camargo conhece futuro titular da Fazenda há 50 anos e prevê empenho por reformas

Flavia Lima – Folha de São Paulo

30.out.2018 às 2h00

Os sinais de que a reforma da Previdência vai ser aprovada precisam ser dados pelo novo governo de Jair Bolsonaro (PSL) já nos primeiros três meses de 2019 para acalmar o mercado.

Com isso, há espaço para que a economia cresça até 3% em 2019, diz José Márcio Camargo, que assessorou a candidatura de Henrique Meirelles à Presidência e agora assume o cargo de economista-chefe da Genial —corretora do mesmo grupo do banco de investimento Brasil Plural.

Com a autoridade de quem conhece há 50 anos Paulo Guedes, o futuro ministro da Fazenda, Camargo o qualifica como “um dos economistas mais liberais do país” e duvida que ele dure pouco no governo.

“Acho pouco provável. Ele já deve estar negociando. Ele está nesse jogo para ganhar, e alguma coisa vai conseguir.”

Qual a sua expectativa com relação a um governo Bolsonaro?

Eu não o conheço. Nessas conversas no Congresso, de vez em quando ele aparecia, mas não tenho relação com ele. Conheço Paulo Guedes que é certamente um dos economistas mais liberais do país. Acho pouco provável que ele aceite ser ministro de um governo que não tenha um mínimo de consciência liberal.

A conversão de Bolsonaro ao liberalismo é para valer?

Não vou dizer que acredito piamente que ele virou um cara liberal. Mas imagino que Paulo deve ter convencido Bolsonaro de alguma coisa. Gosto muito do Paulo, o conheço há 50 anos e espero que ele consiga fazer algumas das reformas.

Quais?

A primeira é a reforma da Previdência. Se não fizer, todo o resto vai por água abaixo. Há um déficit primário de 2% do PIB e um déficit nominal de 6%, 7% do PIB. A dívida pública cresce rapidamente. E teto de gastos não se sustenta sem a reforma. Em 20 anos, 100% do Orçamento será usado para pagar aposentadorias. É insustentável.

Bolsonaro se diz a favor das reformas, mas já voltou atrás em alguns pontos, como a idade mínima.

Eu não sei qual é a proposta de reforma de Bolsonaro. Se fosse eu sentado lá naquela cadeira, tentaria aprovar neste ano a proposta que está no Congresso, apresentada por Temer.

 

Mas o sr. que já esteve em negociações com o Congresso, acho que isso é viável?

Acho que é. Teve essa mudança no Congresso. Não sei qual o incentivo que esses caras que não foram eleitos teriam para aprovar a reforma. Mas, se o partido disser “vamos aprovar para o cara que quer voltar à vida pública no futuro”, acho que o incentivo é aprovar. Antes dessa renovação toda, não tenho dúvida de que a reforma seria aprovada. Só não foi por causa da gravação de Joesley. Passei aquela semana em Brasília discutindo com o Congresso e era claro que eles iam conseguir aprovar a reforma. Aí teve a gravação e caiu.

Qual o mínimo que precisaria estar na reforma?

Não sei. Há outras propostas, além da de Temer. Mas tem um custo aí. Mudar o projeto que está no Congresso, que só falta ser votado no Plenário, significa adiar a votação.

Até quando a reforma precisaria ser aprovada para conter o mau humor do mercado?

O sinal de que vai ser aprovado precisa ser dado nos três primeiros meses, na pior das hipóteses. O Brasil tem sistema de aposentadoria extremamente generoso, e a reforma precisa atacar privilégios como a aposentadoria integral e a aposentadoria muito cedo, principalmente de servidores públicos.

Pobre no Brasil já se aposenta com 65 anos porque ele não consegue contribuir por 35 anos. Quem se aposenta com 35 anos de contribuição somos nós, classe média alta.

Paulo Guedes prometeu acabar com o déficit primário em um ano. Vai conseguir?

Acho bem difícil, o déficit primário é de R$ 140 bilhões. Não temos isso livre nem no Orçamento. É possível fazer mudanças que diminuam despesas que são obrigatórias. Mas ele tem um ponto. Fala que vai privatizar um monte de estatal.

Vai conseguir?

Não sei se ele vai conseguir R$ 1 trilhão ou R$ 200 bilhões. Acho pouco provável R$ 1 trilhão. Mas a Petrobras diz que vai obter R$ 100 bilhões só com a cessão onerosa, o que já é bastante coisa. Ele pode até conseguir reduzir a dívida pública em R$ 1 trilhão. Mas o déficit vai continuar lá, esse é o problema e o Paulo sabe disso.

Quando ele fala que vai usar o dinheiro para diminuir a dívida, ele indica que a relação entre dívida e PIB vai cair e provavelmente a taxa de juros vai diminuir, reduzindo o déficit nominal. Ótimo. Mas não vai resolver o problema.

Qual e a melhor forma de reduzir o déficit primário?

Tem muito desperdício, mais de R$ 300 bilhões em renúncia tributária. Tem empresa química com renúncia fiscal enorme, a Zona Franca.

Quais são as suas expectativas para os ativos brasileiros?

Juro para baixo, real valorizando, Bolsa para cima, até ficar claro o que o governo Bolsonaro vai fazer. Vai haver muita volatilidade, sempre há. Mas a tendência é essa. Se o cenário de reformas ocorrer, há espaço para economia crescer 3%, 3% e pouco em 2019, com inflação sob controle, talvez até um pouco abaixo da meta. E não vejo razão para aumentar a taxa Selic, apesar de o mercado já esperar alta no ano que vem.

O cenário internacional pode atrapalhar?

Ele é muito complicado, mas boa parte dos emergentes já aumentou juros, o Brasil está quietinho e a taxa de inflação não sobe. Nunca vivemos nada parecido com isso, e não acho que é só porque a economia está em recessão.

Caso Paulo Guedes não consiga implementar a agenda que ele tem na cabeça, ele continuará no governo?

Se for para fazer nada, não. Abrir mão de alguma coisa ele está disposto a abrir, pode ter certeza. Quanto? Não sei dizer. Mas ele está disposto a negociar, tenho certeza. Ele é muito obsessivo, persegue os objetivos, o que é bom na política.

As pessoas falam que ele não vai aguentar 15 dias. Duvido. Acho pouco provável. Ele já deve estar negociando. Ele está nesse jogo para ganhar, e alguma coisa vai conseguir.