Por Valor Econômico

29/05/2018 – 05:00

Mesmo que se encerre em breve, o movimento de paralisação dos caminhoneiros é sinal de um fator bem mais duradouro, capaz de criar instabilidade na área produtiva e, eventualmente, comprometer investimentos: é a constatação de que o governo federal está enfraquecido e sem os instrumentos necessários para resolver crises rapidamente.

Foi essa a preocupação manifestada por muitos vencedores do Executivo de Valor, cuja cerimônia de premiação ocorreu ontem, em São Paulo. Em sua 18ª edição, foram premiados os melhores executivos em 25 categorias, duas a mais que nos anos anteriores. As novidades foram startup e conselho de administração.

Walter Schalka, presidente da Suzano Papel e Celulose, fez uma avaliação bastante negativa do impacto do movimento na economia. “Essa paralisação vai afetar o PIB do ano em um ponto percentual. Porque a economia parou”, disse. “Há múltiplas empresas com as operações paradas.”

No Itaú Unibanco, a avaliação é que as consequências para a economia também são muito preocupantes. “Diante do cenário que estamos vendo, acredito que o maior risco [de curto prazo para o país] seja o da continuidade da paralisação, com a contaminação de outros setores e consequente desorganização da produção”, afirmou o presidente do banco, Candido Bracher.

“O Brasil não será o mesmo depois dessa greve”, disse Luiza Trajano, presidente do conselho do Magazine Luiza. Governo, empresas e consumidores passaram a ver a importância do transporte rodoviário de carga de forma mais evidente, afirmou a empresária. O movimento, disse ela, chega em um momento em que a economia brasileira dá os primeiros passos para sair de uma longa crise econômica.

“Essas movimentações, crises e impactos sempre existirão. O que pode fazer a diferença é ter um governo com capacidade mobilizadora suficiente para direcionar a sociedade e as empresas no melhor caminho”, afirmou Hamilton Amadeo, presidente da holding de saneamento Aegea.

A proximidade das eleições piora o quadro, por desviar a atenção dos problemas conjunturais para a corrida eleitoral. “O maior risco é termos que lidar com diversas crises como a greve dos caminhoneiros e a disparada do dólar em um momento em que as lideranças políticas se mobilizam para as eleições”, disse David Vélez, presidente da startup financeira Nubank.

Para Tito Martins, presidente da mineradora Nexa Resources (ex-Votorantim Metais) a greve dos caminhoneiros tem potencial, inclusive, para influenciar o resultado das eleições de outubro. “A maneira com a qual a negociação foi levada mostra que o governo está enfraquecido”, disse. “Nas eleições, o ambiente criado acaba favorecendo os candidatos mais radicais. Arriscaria que a intenção de voto de alguns desses candidatos mais extremos vai subir nas próximas pesquisas.”

Ontem, a Whirlpool anunciou 10 dias de férias coletivas. João Carlos Brega, seu presidente, afirmou que foi mais fácil culpar Pedro Parente, presidente da Petrobras, pela situação que reconhecer a responsabilidade do governo na questão. “Essa greve é ilegal e não tem um pleito específico”, disse.

A paralisação dos caminhoneiros tem afetado as empresas com intensidade diferente, dependendo do tipo de atividade.

“A Suzano parou, hoje, porque eu preciso colocar madeira, químicos e outros insumos para a fábrica ‘rodar’, e não recebemos nada disso”, afirmou Schalka. O executivo relatou que, mesmo com as medidas anunciadas pelo governo, a companhia não sentiu qualquer melhora no fluxo dos caminhões que transportam matéria-prima. “Temos um gabinete de crise monitorando tudo, hora a hora, e não conseguimos evoluir nada.”

A Beneficência Portuguesa (BP) montou um comitê interno de abastecimento para acompanhar os estoques de insumos que suprem os hospitais da rede. “Hoje, há cerca de 800 pacientes internados e temos insumos para garantir a operação segura”, disse Denise Santos, presidente da companhia.

Para se precaver, a BP aumentou o intervalo da troca de enxovais para acompanhantes e adaptou o cardápio dos pacientes devido ao desabastecimento de frutas, verduras e hortaliças. “Se não houver uma rápida regularização, isso implicará restrições, seja de novos atendimentos ou de parte de nossos serviços, como o adiamento de cirurgias eletivas”, afirmou Denise.

A greve paralisou cerca de 90% das operações da Heineken no Brasil, informou Didier Debrosse, presidente da cervejaria no país. A previsão é que as operações vão levar de quatro a seis dias para voltar ao normal a partir do momento em que a greve, de fato, terminar.

No grupo Boticário, houve uma queda ao redor de 20% no movimento das lojas, disse Artur Grynbaum, presidente da empresa. “Temos até estoque nas lojas, mas não temos movimento”, afirmou. A previsão é que o setor levará de 8 a 14 dias para voltar ao normal.

Na Porto Seguro, a menor circulação de veículos reduziu a incidência de sinistros em 30%, mas também teve um impacto nas vendas de seguros, disse Fabio Luchetti, membro do conselho da empresa, sem detalhar os números.

A Kroton suspendeu 50% das aulas presenciais nas suas unidades de ensino superior, ontem, e planeja estender esse percentual para 70%, hoje. O motivo é a dificuldade de professores e alunos chegarem às unidades, disse Rodrigo Galindo, presidente da empresa.

Em companhias que operam via internet, como a Microsoft, o efeito da greve não foi sentido, disse Paula Bellizia, presidente da empresa. Mas ela afirmou que a situação é um sinal de que o país precisa retomar os investimentos em infraestrutura.

Na Dell EMC, o estoque de componentes só vai durar 24 horas se o desabastecimento se mantiver, disse Luiz Gonçalves, presidente da fabricante de computadores no Brasil. “Temos estoque curto, de alguns dias, e abastecimento contínuo. Oito caminhões estão parados em Santos”, afirmou. “Estamos fazendo reunião de crise duas vezes por dia”. Metade dos funcionários passou a trabalhar em casa.

Fábio Venturelli, presidente da São Martinho, afirmou que o grupo sucroalcooleiro não vai precisar paralisar a moagem de cana-de-açúcar por falta de combustível. Ele informou que a empresa consegue se abastecer com óleo diesel por meio de ferrovias. O ritmo de produção, no entanto, se desacelerou. Venturelli disse que a greve escancarou “a fragilidade do poder público e que [o movimento] mostra uma insatisfação que transcende o motivo central da paralisação”.

Luiz Falco, o presidente do grupo de turismo CVC, disse considerar que fatores domésticos são mais relevantes que os externos para determinar as condições da recuperação econômica, mas minimizou os efeitos da crise gerada pela paralisação dos caminhoneiros. Para ele, o movimento terá impacto econômico pontual, sem reflexos políticos mais duradouros, como nas eleições gerais.

Eduardo Navarro, da Telefônica, também disse esperar que o episódio não tenha impacto na eleição. Não dá para condicionar a escolha [do novo presidente] a um evento”, afirmou.

O ritmo lento de retomada foi classificado de “preocupante” por Márcio Utsch, da Alpargatas. Por enquanto, o baixo crescimento econômico sobre a empresa foi apenas conjuntural.

Mas fatores pontuais como o desabastecimento de matéria-prima na indústria e de mercadorias no varejo provocado pela paralisação dos caminhoneiros podem deteriorar a conjuntura econômica e começar a afetar planos de mais longo prazo, alertou o executivo. “É preciso menos incertezas para que os investimentos sejam retomados”, disse.

(Colaboraram Fernanda Pires, Gustavo Brigatto, Ivo Ribeiro, João José Oliveira, Kauanna Navarro, Rodrigo Rocha, Silvia Rosa, Vanessa Adachi)