Por Alexandro Martello, G1, Brasília

28/10/2017 05h00 

Com foco na denúncia contra Michel Temer, votada nesta semana, governo demorou para enviar medidas para ajustar orçamento. Além disso, também perderá receitas de concessões.

A demora do governo no envio ao Congresso das medidas para equilibrar as contas públicas em 2018 pode dificultar o cumprimento da meta fiscal do ano que vem.

A expectativa da área econômica era de que as propostas fossem enviadas no começo de outubro, mas o núcleo político do governo optou por esperar a votação da nova denúncia contra Temer, barrada nesta semana pelo plenário da Câmara.

Com isso, espera-se que as medidas cheguem ao Congresso na próxima semana.

A meta fiscal é o resultado que o governo precisa perseguir para as contas públicas todos os anos. Para 2018, a meta é de déficit primário de até R$ 159 bilhões. Isso significa que o governo tem autorização para as despesas superem as receitas com impostos e tributos em R$ 159 bilhões no ano que vem.

O mercado financeiro, até o momento, estima um rombo de R$ 155,61 bilhões para o próximo ano, ou seja, prevê que a meta será atingida.

Para atingir a meta, porém, o governo precisa fazer com que três das medidas do ajuste saiam do papel até o fim deste ano:

  1. Adiamento do reajuste de servidores por um ano;
  2. Mudança na tributação sobre fundos de investimentos;
  3. Cancelamento de reajustes de cargos comissionados.

Se essas propostas não forem aprovadas a tempo, o governo perderá mais de R$ 11 bilhões em arrecadação em 2018. Sem esses recursos, o governo pode enfrentar dificuldades para cumprir a meta fiscal e ser obrigado a cortar despesas ou adotar novas medidas para elevar a arrecadação.

No caso do adiamento do reajuste dos servidores e do cancelamento de alta de salários para os cargos comissionados, a explicação é que, uma vez concedidos, em janeiro do ano que vem, não há como retirá-los.

Já a mudança da tributação sobre fundos de investimentos tem o princípio da anualidade, ou seja, é preciso aprová-la em 2017 para que possa ter validade de 2018 em diante. Se for aprovada em 2018, pode começar a valer somente a partir de 2019.

Medida provisória

O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha, indicou que essas propostas devem ser encaminhadas ao Congresso por meio de medida provisória, que tem força de lei uma vez publicadas.

“Todas as medidas que tiverem impacto no orçamento, que sejam despesas que vão ser contidas ou receitas, têm que ir por medida provisória e têm que ir até o dia 31 de outubro”, declarou ele nesta semana.

O governo deve optar por MPs para parte das medidas apesar de atritos recentes entre Michel Temer e os presidentes da Câmara, Rodrigo Maia, e do Senado, Eunício Oliveira. Ambos reclamaram recentemente do uso excessivo de MPs por parte do Executivo.

Noventena

Outras medidas do ajuste também podem fazer o governo perder receita em 2018 se não forem aprovadas ainda neste ano, mas têm menos urgência. É o caso do aumento da alíquota de contribuição previdenciária dos servidores públicos, de 11% para 14%, e a chamada “reoneração” da folha de pagamentos, que só podem ser implementadas 90 dias depois de sancionadas pelo presidente da República.

A arrecadação estimada pela equipe econômica com estas medidas para o próximo ano é de R$ 1,9 bilhão, no caso do aumento da alíquota previdenciária, e de R$ 4 bilhões, para a reoneração da folha de pagamentos. Essa expetativa considera que elas começarão a valer em janeiro. Se isso não acontecer, os valores serão menores.

No caso do aumento da alíquota da contribuição previdenciária de servidores, fontes da área econômica já consideram ter perdido dois meses de arrecadação, pois a estratégia inicial, que era enviar uma Medida Provisória sobre o assunto, ainda não foi levada adiante.

Menos concessões

Para completar o quadro, o governo confirmou que desistiu de realizar concessões, em 2018, dos aeroportos do Nordeste (Maceió, Recife, Aracaju, João Pessoa, Campina Grande e Juazeiro do Norte); além de Cuiabá, Sinope, Alta Floresta, Barra do Garça e Rondonopolis, Vitória e Macaé.

Esses leilões devem ficar somente paras 2019. O resultado é que o governo vai deixar de arrecadar R$ 2,9 bilhões em bônus de outorga no próximo ano.

Além disso, o governo informou recentemente que desistiu de realizar a concessão de um dos aeroportos mais movimentados do país: Congonhas, em São Paulo. Com isso, haverá perda de mais R$ 5,6 bilhões em receitas no ano que vem.

O que dizem analistas

Segundo Marcos Mollica, sócio da Rosenberg Partners, o pacote fiscal foi atrasado pela “confusão política” provocada pela nova denúncia contra o presidente Michel Temer.

“Na agenda deles, passou a denúncia, a prioridade número um é passar esse pacote”, avaliou.

Ele vê dificuldades em o governo alterar as regras dos fundos de investimentos ainda neste ano, para começar a vigorar em 2018, mas acredita que outras medidas, que precisam apenas de noventena, o governo tende a aprová-las em um esforço concentrado no Congresso Nacional.

“Eu acho que é possível que precise de novas medidas, pois o cenário fiscal é bastante complicado. Acho que ainda faltam receitas para completar [a previsão do próximo ano]”, disse ele.

Mollica ponderou que a economia pode crescer mais do que os 2,5% estimados, o que pode elevar a arrecadação e compensar parte das perdas.

Para Fabio Klein, da Tendências Consultoria, o governo terá de conseguir R$ 12,5 bilhões a mais em receitas no próximo ano, seja com o pacote de medidas já anunciado ou com novas propostas. Ele avalia, porém, que é “razoável” o Executivo conseguir essa arrecadação.

“O risco em 2018 é mais do lado da despesa do que da receita. O desafio no ano que vem vai ser cumprir ou não cumprir o teto [de gastos]. Do lado da arrecadação, com a recuperação econômica mais forte no ano que vem, haverá receitas recorrentes tributárias”, declarou ele.

Tribunal de Contas da União

Questionado pelo G1 se poderia considerar factíveis as medidas propostas para equilibrar as contas públicas em 2018, uma vez que elas sequer foram enviadas ao Congresso Nacional, o Tribunal de Contas da União (TCU) respondeu que o acompanhamento dos procecimentos de revisão de receitas, despesas e metas fiscais para o ano que vem está em andamento, mas ainda “sem deliberações”.

“No que tange especificamente às receitas, o Tribunal avaliará os parâmetros e previsões utilizados para elaboração do PLOA com o objetivo de analisar se as estimativas são robustas, visando o alcance das metas fiscais constantes da LDO”, informou o tribunal.

O TCU acrescentou que, quanto ao ajuste fiscal previsto pelo governo para 2018, “analisará as medidas adotadas na gestão ao longo do ano por meio do acompanhamento bimestral dos resultados fiscais”. “No momento, não há decisão do TCU sobre o assunto”, se limitou a informar.