Por Juliana Machado e Lucas Hirata | De São Paulo

08/04/2019 – 05:00

Maior gestora de ativos do mundo, a BlackRock tem uma visão bem clara sobre o Brasil: o país só depende de fatores internos para atrair investidores e ver seu mercado ganhar protagonismo internacional. Mesmo com altos e baixos, a reforma da Previdência deve ser aprovada, garantindo a atratividade dos ativos de renda variável e do real perante seus pares emergentes. Essa é a visão de Axel Christensen, estrategista-chefe de investimento na América Latina da BlackRock – responsável pela administração de US$ 6,3 trilhões em recursos espalhados por todo o mundo.

Ao Valor, Christensen afirma que a aprovação da reforma não vai vir sem causar antes uma grande instabilidade sobre os mercados no curto prazo. Por esse motivo, é necessário adotar mecanismos de defesa do portfólio para os investidores que desejam aproveitar a onda de valorização que ainda deve chegar por aqui. Para o estrategista, o mercado brasileiro já teve um rali e tem potencial para outro, mesmo que leve tempo, com a reforma da Previdência aprovada.

Como tem uma visão de mais longo prazo, Christensen não se abala com os ruídos da cena política recente, protagonizada pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, e por deputados federais. Será mais difícil para os ativos locais seguirem em alta, mas “ainda há motores de apoio”, na visão do porta-voz. Confira a entrevista.

 Valor: Com um crescimento esperado de 2% do PIB em 2019 e inflação de 4%, o Brasil é atrativo para estrangeiros? Isso não é pouco?

Axel Christensen: Se você me dissesse que o Brasil vai crescer para sempre a 2%, com inflação de 4%, eu diria que não parece tão atrativo. Mas eu acho que os investidores têm identificado no Brasil que o país tem potencial de começar a crescer significativamente a partir de 2%. Eu acho que os investidores não estão olhando só os números do presente e partindo da hipótese de que ficarão congelados, mas estão vendo perspectivas para a economia brasileira começar a ganhar tração. Seja pelo investimento, seja pela queda de juros ou a taxa de desemprego, que pode cair muito, a economia pode ganhar tração e iniciar um ciclo virtuoso.

Valor: O mercado de ações do Brasil tem mais potencial de alta ou já está caro?

Christensen: Poderemos ver uma pausa no curto prazo ou até uma leve correção na tendência positiva no mercado de ações. Se você olhar o desempenho da bolsa, não só neste ano, mas no ano passado também, foi muito positivo em comparação com outros mercados emergentes. Isso tem a ver com a recuperação da economia e uma visão positiva sobre o ambiente político. Grande parte dessas boas notícias – com o novo governo, a agenda de reformas, a melhora no ciclo de crescimento econômico – já está bem refletido nos preços, na nossa avaliação.

Valor: Isso significa que o rali já ficou para trás?

Christensen: A primeira etapa, em que muitos investidores mudam a percepção negativa para algo mais positivo, já acabou, provavelmente. Até não muito tempo atrás, investidores globais e até investidores locais estavam muito pessimistas sobre as perspectivas dos mercados financeiros. Agora, estamos caminhando para uma segunda etapa. Ainda temos motores para oferecer apoio para o mercado de ações ir para cima. Mas é um pouco mais difícil. Por exemplo, vemos o governo defender a reforma da Previdência. E tenho de dizer: é uma reforma agressiva. Vai na direção certa, mas, se você acompanha o Brasil há tempo suficiente, você percebe que tudo que envolve política nunca será simples. É uma reforma muito difícil, envolve mudança na Constituição, votações em diferentes níveis no Congresso. Acreditamos que a segunda etapa tem potencial para oferecer um rali decente, mesmo que leve algum tempo.

Valor: Quais fatores, externos ou locais, podem colocar esse cenário a perder?

Christensen: Pode acontecer de o cenário externo voltar para o assento do motorista em caso de uma surpresa muito grande, como na relação entre EUA e China. De novo, esse não é necessariamente nosso cenário base. Agora, em geral, são fatores mais locais que devem determinar o caminho do mercado. Depende muito mais do Brasil e o que o Brasil pode fazer do que o exterior. Até não muito tempo atrás, o Brasil poderia ter uma grande história, mas os fatores externos tinham impacto maior. Desta vez, o Brasil tem muito a dizer sobre o futuro dos mercados. Não estou falando que será fácil, já que aprovações no Congresso exigem muito esforço, mas o potencial está lá.

“Não é muito fácil olhar para o passado em busca de um padrão sobre o futuro da política no Brasil”

Valor: Os investidores estrangeiros estão interessados em alocar recursos no Brasil?

Christensen: Sim. Na BlackRock, temos um radar muito bom em termos de demanda dos investidores, especialmente de fluxo para os ETFs (fundos de índice) que temos no Brasil. Vemos um fluxo de entrada.

Valor: O que faria os estrangeiros desistirem das apostas no país?

Christensen: Sabemos que a proposta para a reforma da Previdência é muito ambiciosa e a economia projetada supera R$ 1 trilhão em dez anos. É muito dinheiro. Muitas das medidas que o governo está propondo não são populares. Entendemos que haverá oposição e esperamos que uma versão diluída da proposta seja aprovada. Mas qual o tamanho da reforma que ainda seria suficiente para sustentar o humor no mercado? Eu não sei exatamente, não tenho informação interna. Se a economia for menor que a metade, eu acho que vamos ver uma frustração pelo fato de que o Brasil não conseguirá resolver alguns problemas fiscais. E isso também significaria que o governo terá problemas em avançar com outras reformas, como privatizações. Não é só uma questão em si da reforma da Previdência, mas também a incerteza sobre como o governo vai sair em outros planos de reforma.

Valor: Qual a carteira de investimentos ideal para se ter no Brasil atualmente?

Christensen: Precisamos reconhecer que o Brasil tem um bom potencial de crescimento e, portanto, é importante ter uma parte do portfólio que se aproveite disso. Por outro lado, poderemos ver uma correção no curto prazo e uma perda de força do mercado, conforme o investidor sinta que as reformas podem levar um pouco mais de tempo do que o esperado.

Valor: E como isso se aplica na composição do portfólio?

Christensen: A taxa de desemprego no Brasil ainda está bem elevada, ou seja, há potencial de cair, o que significa que as pessoas vão encontrar empregos e assim obterão renda. Uma forma de capturar os efeitos disso é ter empresas de consumo, principalmente consumo discricionário. São itens que as pessoas não vão comprar apenas por uma primeira necessidade e que demandam um desembolso maior, como comprar um carro ou uma casa. Com mais renda, as pessoas também vão desejar gastar mais com serviços, provavelmente ir à universidade para melhorar o potencial de retorno financeiro no futuro, então esse também é um setor importante. E sem dúvida serviços financeiros, porque quando uma pessoa tem dinheiro, ela demanda mais poupança e outros serviços equivalentes. Uma parte do portfólio aqui está olhando para o futuro no longo prazo, não para o curto prazo.

Valor: E no lado mais defensivo, de curto prazo?

Christensen: Se você olhar todos os passos, processos e discussões para a reforma da Previdência, está claro que não será um trâmite fácil até o fim deste ano. Então, também inserimos nomes defensivos no portfólio, como, por exemplo, ações de “utilities” (energia e saneamento), que negociam quase como bonds (título de dívida), e exportadoras, que não são tão dependentes da economia local. Essa combinação de defesa com oportunidades de longo prazo é a melhor maneira de estar exposto ao mercado brasileiro.

Valor: Por que o cenário de curto prazo exige mais cautela?

Christensen: Temos uma agenda muito ambiciosa de reformas econômicas pela frente. Eu diria que estamos quase em território inexplorado por causa de uma mudança tão importante no cenário político no Brasil. Também, o novo presidente está propondo fazer coisas de forma um pouco diferente que no passado em termos de como negocia com partidos e como consegue apoio para sua agenda. Então, não é muito fácil olhar para o passado em busca de padrão ou de algo que possa nos ajudar determinar o futuro.

Valor: É hora de usar dólar para operações de hedge?

Christensen: Eu sempre vou responder que um investidor responsável, alguém que entende a natureza dos riscos, vai buscar diversificação. Nunca existe um momento certo ou momento errado para diversificar a carteira, com ativos fora do Brasil. Agora pode ser um bom momento para isso, porque podem conseguir um preço muito mais atrativo para montar uma posição do que alguns anos atrás. Mas diversificar a carteira é sempre uma boa ideia e não se trata de uma condição de mercado.