Por Andrea Vialli – Valor Econômico

23/03/2018 – 05:00

A região dos Lagos (RJ), que concentra balneários importantes para o turismo como Búzios, Arraial do Cabo e Cabo Frio, vê sua população triplicar durante a alta temporada e nos feriados prolongados.

Garantir o abastecimento de água para a população local e os visitantes sem oscilações foi um dos desafios que a concessionária Prolagos, do grupo Aegea, encontrou quando assumiu as operações de água e esgoto na região, em 1998. O jeito foi aliar-se à tecnologia: a empresa adotou o primeiro sistema de predição de abastecimento baseado em tráfego das rodovias do Brasil.

Quatro computadores instalados nas principais vias de entrada e saída da região registraram a movimentação dos carros ao longo dos últimos três anos e deram subsídios para que a companhia programasse o bombeamento de água conforme o fluxo de pessoas. O resultado tem sido verões cheios – a região dos Lagos recebeu 1,2 milhão de pessoas no último dia 31 de dezembro – mas sem risco de falta de água.

O sistema ainda cruza dados de temperatura e umidade relativa do ar para identificar as tendências de uso da água, já que quanto maior o calor, maior é o consumo.

O uso de ferramentas digitais para monitorar sistemas de água e esgoto é um movimento ainda incipiente no Brasil, mas com grande potencial de aplicação. “Os sistemas automatizados de monitoramento, predição e controle do abastecimento urbano baseado nos princípios da indústria 4.0 são eficientes e ajudam a reduzir custos com energia elétrica” diz João Costal, CEO da Compta Brasil, empresa portuguesa de software e automação que atua há sete anos no país e pioneira em trazer esse know-how para a área de água e saneamento.

A empresa também está desenvolvendo um sistema de inteligência artificial para o bombeamento de esgotos em Serra (ES). O projeto prevê três fases de investimento e começou com a automação do sistema, depois com o controle digital do bombeamento, evitando grandes alterações no fluxo de efluentes – com isso, a concessionária consegue prever a quantidade de produtos químicos que utilizará no tratamento dos esgotos.

“Essas tecnologias vieram da indústria e podem ser aplicadas ao saneamento urbano também. O esgoto é o primo pobre da automação, mas é possível fazer”, diz Costal. A Compta também está trazendo tecnologias de automação para irrigação de vinhedos e lavouras de café, já que a agricultura é uma das maiores usuárias de recursos hídricos no mundo, com mais de 70% do consumo de água.

Na Europa, uma das principais preocupações dos gestores de água tem sido prever os impactos que as mudanças climáticas trazem aos padrões de oferta do recurso e como os países podem se adaptar, tanto a cenários de maior escassez quanto à ocorrência de eventos extremos, já que ambos interferem no abastecimento.

Eric Tardier, diretor geral do Escritório Internacional para Água, ONG francesa que realiza projetos de cooperação e transferência de tecnologia, afirma que a análise de grandes volumes de dados, o big data, é um dos grandes trunfos para a adaptação. “Nem todos os países têm condições de investir em dados, por isso temos trabalho com transferência de tecnologia e capacitação com países como Jordânia, Líbano, Mônaco, Marrocos e Tunísia”, diz. Entre as ferramentas desenvolvidas pela ONG, está o Smart.met, que permite trabalhar com coleta e análise de dados em sistemas de abastecimento.

A tecnologia também foi fundamental para melhorar a qualidade do abastecimento de água no arquipélago de Açores, território de Portugal. Até os anos 1990, as ilhas não tinham uma rede ampla de água, exceto nos núcleos urbanos, e o abastecimento era confiado a caminhões-pipa. A entrada de Portugal na União Europeia possibilitou que o país tivesse acesso aos fundos da UE, resultando em um investimento equivalente a R$ 40 bilhões na universalização do abastecimento de água no país e nas ilhas. “Sistemas automatizados permitem agora que Açores tenha água na torneira 365 dias por ano”, diz Hugo Pacheco, diretor da Ersara Açores, entidade reguladora dos serviços de água e resíduos dos Açores.

No Brasil, onde as perdas de água na rede de abastecimento são de 40%, segundo dados de 2016 do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), as tecnologias podem ajudar a reduzir os índices. Esse é um dos temas abrigados pela Sabesp na superintendência de pesquisa, desenvolvimento tecnológico, inovação e novos negócios, criada em 2010 para projetos de inovação na área de água e saneamento. Um convênio com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) deverá destinar R$ 50 milhões para projetos de inovação em parceria com universidades e centros de pesquisa até 2029