Por Daniel Rittner – Valor Econômico

Não é apenas o orçamento público que está à míngua. Antes consideradas um motor para a economia, principalmente ao liderar projetos de infraestrutura, as estatais sob controle da União investiram no primeiro semestre o valor mais enxuto desde 2008.

Elas desembolsaram R$ 23,5 bilhões entre janeiro e junho, segundo dados fornecidos pelo Ministério do Planejamento. Para se ter uma ideia do encolhimento, trata-se de praticamente metade do que gastaram no mesmo período de 2013.

Petrobras e Eletrobras puxaram o desempenho para baixo. Juntas, as duas gigantes federais respondem tradicionalmente por R$ 9 em cada R$ 10 dos investimentos das estatais.

Outras empresas – como Infraero, Companhias Docas, Telebrás e Correios – também pisaram no freio. Tudo somado, as 89 estatais não dependentes do Tesouro Nacional executaram até junho apenas 25,8% dos investimentos programados para todo o ano. Proporcionalmente, é a pior execução da última década.

Ligada ao Planejamento, a Secretaria de Coordenação e Governança das Estatais (Sest) reconhece que a taxa de execução está “relativamente baixa” quando comparada aos “exercícios anteriores mais recentes”. A secretaria ressalta que muitas empresas federais vivem um processo de revisão de seus modelos de negócios e de reestruturação. É o caso nitidamente da Petrobras, com um ambicioso plano de venda de ativos, e da Eletrobras, que agora está na antessala de sua privatização.

“Desse modo, o planejamento orçamentário para o ano de 2017, que na verdade foi elaborado no primeiro semestre de 2016, não está sendo executado como previsto inicialmente, particularmente devido à mudança de cenário econômico e setorial ocorrida nesse meio tempo”, informou a Sest, em nota, ao Valor.

Com um olhar mais amplo sobre o desempenho das estatais, a secretaria faz a seguinte observação: “De maneira geral, empresas tomam decisões de investimento quando há uma expectativa favorável de retorno financeiro sobre os mesmos. Na medida em que o investimento começa a apresentar retorno aquém do projetado, as empresas podem decidir pela redução do capital investido. Por outro lado, recentemente foi divulgado pelo governo federal o plano de desestatização da Eletrobras, por exemplo. Tais medidas de reestruturação de ativos acabam tendo impacto grande na decisão de investimentos”.

No microuniverso de cada empresa, a execução mais lenta tem várias explicações. O caso dos Correios, em delicada situação financeira, é exemplar. A companhia postal registrou prejuízo acumulado de R$ 4 bilhões nos últimos dois anos.

Para 2017, tinha um orçamento de R$ 800 milhões para investir. Só R$ 132 milhões – ou 16,5% da dotação prevista – foram desembolsados no primeiro semestre. “Estamos tentanto segurar o possível e o impossível”, comenta o presidente Guilherme Campos.

Pressionado para diminuir o rombo da empresa, ele admite que algumas ações sofrem atrasos, como a renovação da frota de veículos. Isso não chega a ser nenhum luxo desnecessário, tendo em vista que a eficiência logística é dos principais fatores de competitividade dos Correios, especialmente no segmento concorrencial – de encomendas expressas, por exemplo. Campos também menciona o reflexo da queda dos investimentos na conservação de infraestrutura. “A manutenção dos prédios e das agências próprias [são 6,5 mil unidades em todo o país] está muito aquém do que uma empresa do nosso porte deveria ter”, afirma.

Apesar da contenção de despesas, ele cita como avanços recentes a compra de 60 mil smartphones para que os carteiros possam registrar em tempo real a entrega de encomendas e a aquisição de novas máquinas de triagem nos centros de distribuição.

No grupo das estatais com o pior desempenho estão cinco das sete Companhias Docas: Codeba (responsável pela administração dos portos de Salvador e de Aratu), CDC (Fortaleza), CDP (Belém, Vila do Conde e Santarém), CDRJ (Rio de Janeiro e Itaguaí) e Codern (Natal e Maceió).

Todas elas executaram menos de 10% do orçamento previsto para este ano. Mesmo a Codesp, que administra o maior porto do país, desembolsou apenas 18,5% dos investimentos planejados.

Para o diretor do departamento de outorgas portuárias da Secretaria Nacional de Portos, Ogarito Linhares, há questões transversais nas Companhias Docas que afetam os investimentos como um todo. Ele cita a “judicialização excessiva” e o “intrincamento da malha normativa” como dois fatores que diminuem o ritmo de execução orçamentária.

De acordo com o diretor, um exemplo da corrida aos tribunais é o contrato da dragagem de aprofundamento no Porto de Santos, que gerou uma disputa judicial em torno das garantias oferecidas pela primeira colocada na licitação pública. A concorrência foi realizada em 2015 e a obra, com orçamento de R$ 360 milhões, não foi iniciada até hoje.

No Porto do Rio, a dragagem de R$ 100 milhões contratada pela CDRJ já terminou, mas o pagamento à empresa responsável pelos trabalhos ainda não ocorreu por ausência de aprovação de todos os órgãos responsáveis. O Instituto Nacional de Pesquisas Hidroviárias (INPH) e fiscais da própria Companhia Docas já aprovaram a obra, mas falta o aval da Marinha.

Linhares acredita que essa demora para o acerto de contas pode sugerir economia aos cofres públicos, mas é exatamente o contrário: como levam meses e até anos para receber, as empresas prestadoras de serviços acabam embutindo o custo do atraso no valor dos contratos assinados com a União.