Por Catherine Vieira e Fernando Torres – Valor Econômico

Carlos Antonio Rocca: “O BNDES vai sobreviver e cumprindo papel importante”

As mudanças previstas para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) são bem-vindas e o banco tem condições de sobreviver mesmo efetuando a devolução de R$ 180 bilhões ao Tesouro Nacional. Essa é uma visão relativamente consensual entre especialistas que acompanham o financiamento de projetos de longo prazo consultados pelo Valor, incluídos aí economistas que já comandaram o banco. Alguns fazem algumas ressalvas sobre a forma e o ritmo para fazer esse pagamento. Destacam que o processo não será indolor para parte das empresas, mas aprovam a medida e apontam alternativas para o banco obter recursos para se capitalizar para novos desembolsos, que eles consideram inclusive saudáveis, independentemente da devolução, como forma de dinamizar a atuação do banco e promover o desenvolvimento do mercado de capitais.

O economista e presidente do Banco Ribeirão Preto (BRP), Nelson Rocha Augusto, diz que concorda com o que vem sendo feito em relação ao BNDES e avalia que o momento é propício, já que ele não enxerga num horizonte de um ano um rali significativo de investimentos em projetos de longo prazo. “Mesmo que tenhamos alguma surpresa em relação a isso, e espero que ocorra, o banco tem condições de lidar com esse cenário”, diz Augusto.

Ele lembra que, só de excluir as empresas muito grandes – do porte de Vale, Petrobras, ou mesmo a JBS – que não precisam do BNDES pois podem acessar o mercado de capitais, o banco já passa a ter uma boa folga. Além disso, há uma perspectiva de convergência entre a nova Taxa de Longo Prazo (TLP) para níveis mais semelhantes aos da Taxa de Juro de Longo Prazo (TJLP) e o BNDES certamente captará recursos no mercado. Por fim, é possível reduzir a carteira da BNDESPar, o braço de participações acionárias. Isso deveria ser feito por meio de vendas de blocos maiores (block trades).

“Não gera dinâmica ter uma carteira tão grande parada, até gera dividendos, tem uma equipe qualificadíssima e competente, mas não é necessário ter uma carteira de ações desse tamanho”, afirma Augusto. “Ah, mas se eu vender 10% da empresa, o governo perde o controle. Bom, aí é uma decisão de governo”.

O presidente do BRP diz ainda que ainda existe a opção de o banco fazer programas específicos com um grau de participação maior em alguns financiamentos de concessões de infraestrutura. Mas agora isso seria feito de forma explícita, sendo colocado no Orçamento. “Se o BNDES vai ser instrumento do Tesouro, faz um programa específico e explicita no Orçamento, de forma transparente, não precisa ter um BNDES tão grande para isso”, afirma.

Nesse novo cenário, ele avalia que o banco precisará ter uma tesouraria mais atuante. “Há um monte de instrumentos de tesouraria [que podem ser usados], agora talvez precise e a equipe é qualificada para isso.”

Para Carlos Antonio Rocca, diretor do Centro de Estudos do Mercado de Capitais (Cemec) do Instituto Ibmec, não há dúvida que o banco sobreviverá sem os R$ 180 bilhões retornados ao Tesouro. “O BNDES já diminuiu sensivelmente a participação dele [no financiamento do investimento de longo prazo]”, diz Rocca. Os dados consolidados pela equipe do Cemec (ver quadro) mostram que a parcela do banco no financiamento dos investimentos (medidos pela Formação Bruta de Capital Fixo – FBCF) rondava o nível dos 3% do PIB entre 2009 e 2014 e hoje está em 0,8%. É também verdade que a própria FBCF caiu do nível dos 18% para 14% do PIB. Neste ano, até setembro, conforme dados da Anbima, as empresas captaram R$ 104 bilhões no mercado de capitais local de renda fixa e também vendendo novas ações na bolsa, uma alta de 57% ante os R$ 66 bilhões levantados em igual período de 2016.

“O BNDES vai sobreviver e cumprindo papel extremamente importante, com o foco em pequenas e médias empresas e entrando naquilo que o mercado tem dificuldade de entrar. Um caso típico é o saneamento”, diz.

Ele observa que, à medida que a taxa cobrada pelo banco nos empréstimos se aproximar das taxas de mercado, haverá um dinamismo muito maior. “Isso dá uma flexibilidade, esses projetos podem ser transacionados no mercado. Além disso, todo financiamento novo do BNDES é ‘pró-mercado de capitais'”, afirma Rocca. Em alguns casos, em vez de emprestar, o BNDES poderá funcionar absorvendo parte das emissões de debêntures. “O papel do mercado de capitais vai aumentar muito”, prevê Rocca.

O economista afirma ainda que a chave para a retomada mais forte dos investimentos não está nos desembolsos do BNDES, mas na manutenção da perspectiva de que o ajuste fiscal será mantido ao longo dos próximos anos e também na estruturação de projetos de qualidade. Segundo ele, é preciso ter agências reguladoras de Estado, independentes do governo, que assegurem garantias do contrato do investidor e também o interesse do consumidor.

Para o professor Alexandre Assaf Neto, diretor do Instituto Assaf, não existe hoje substituto para o papel que o BNDES cumpre atualmente no mercado, seja em termos de custo – dado que os empréstimos são subsidiados – seja pelo prazo.

Ele considera ainda que o montante de R$ 180 bilhões a ser devolvido para o Tesouro em dois anos vai fazer falta, especialmente porque no atual momento o sistema financeiro privado também está encolhendo as carteiras. “Não acredito que o mercado, por essas razões, consiga, a curto prazo, substituir corretamente essa necessidade de financiamento.”

Apesar de desenhar esse quadro com consequências negativas para o financiamento do investimento empresarial, Assaf diz que é “correta” a decisão do governo de enxugar o BNDES, diante do custo fiscal trazido por esses repasses do Tesouro. Para ele, ao ofertar crédito subsidiado em volumes que considera excessivamente elevados nos últimos anos. o governo permitiu que muitas empresas se viabilizem “não por seus méritos, pela qualidade dos seus ativos, mas pela maneira como se financiam”. Assaf diz que o BNDES não deve se preocupar apenas com o risco de crédito das operações e lembrar que tem um “S”, de social, no nome. “O BNDES deveria cobrar pouco mais de retorno por parte das empresas não para ele, mas para a sociedade.”

Para ele, as operações do banco deviam financiar projetos de melhoria de produtos, de ganho de eficiência e inovação, e priorizar empresas que não conseguem se financiar no mercado de capitais externo ou local. “Como o dinheiro (devolvido) vai fazer falta, prefiro dar o volume que sobra para outras empresas que não sejam a Petrobras, Vale, Gerdau e outras companhias que conseguem captar.”

Apesar do esforço do banco em aumentar a capilaridade e do investimento em produtos como o Cartão BNDES, as grandes empresas continuavam a ficar com cerca de 70% dos desembolsos nos últimos anos. “Ele não pode prejudicar as pequenas e médias empresas para salvar grandes corporações”, afirma.