Medida provisória polêmica perderá sua validade em novembro caso não seja aprovada pelo Congresso

Taís Hirata – Folha de São Paulo

5.nov.2018 às 16h41

As companhias privadas de saneamento básico deverão propor mudanças na medida provisória que altera o marco regulatório do setor para que o texto possa ser aprovado ainda neste governo.

O principal ponto de discórdia com as concessionárias públicas é um artigo polêmico, que altera a concorrência entre empresas públicas e privadas.

A ideia agora é propor uma diferenciação das companhias públicas que fazem investimentos —como Sabesp (SP), Sanepar (PR), Copasa (MG) e Compesa (PE)— das empresas estaduais deficitárias.

Trata-se de uma tentativa de encontrar um consenso, já que as concessionárias públicas concordam com a maior parte do texto da MP, que traz outras mudanças consideradas importantes pelo setor.

Há a percepção de que o novo marco regulatório, de modo geral, traz avanços, e que é mais seguro aprovar a MP neste ano –já que pouco se conhece sobre a proposta do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), para o setor.

O prazo é curto. A MP,  apresentada em julho pelo governo de Michel Temer, perderá  sua validade em 19 de novembro caso não seja aprovada pelo Congresso.

Na semana passada, o relatório do senador Valdir Raupp (MDB-RO) foi aprovado na Comissão Mista responsável por analisar o tema. O texto ainda precisa ser aprovado nos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. A ideia é tentar votar o texto na Câmara ainda nesta semana.

Antes disso, a a Abcon (associação das companhias privadas) estuda uma proposta de texto mais flexível, para conseguir o apoio necessário para aprovar a MP.

A alteração seria no artigo que, na prática, obriga os municípios a realizar licitações na hora de contratar  as concessionárias de saneamento básico. Antes, a concorrência não era necessária caso o contrato fosse firmado com uma empresa pública. Só seria preciso abrir competição caso o prefeito quisesse contratar uma empresa privada.

A mudança foi um pleito das empresas privadas, que reclamavam de concorrência desleal, e gerou diversos questionamentos de analistas e concessionárias estaduais.

Agora, a ideia da Abcon é diferenciar, no texto, as companhias públicas dependentes do governo daquelas que geram seu próprio caixa e que realizam investimentos independentemente do Estado. A proposta ainda está em negociação, afirma Percy Soares Neto, diretor da entidade.

“O princípio é não tratar empresas diferentes de forma igual. Tenho empresas que realizam investimentos, estão melhorando a qualidade do serviço. E tem companhias com zero capacidade de investimento. A proposta é manter a necessidade de chamamento público, mas reconhecer a companhia que está avançando”, diz ele.

As concessionárias estaduais, principais opositoras ao artigo, estão abertas a negociação caso haja mudanças no texto, segundo Roberto Tavares, presidente da Aesbe (associação das concessionárias públicas) e da Compesa, concessionária de Pernambuco.

Ele também afirma que é preciso diferenciar as companhias. “As empresas que não dependem do Estado, que captam recursos no mercado, que têm um plano de investimento rodando, vão ser prejudicadas. É diferente das empresas dependentes do Tesouro para sobreviver. Mas hoje, do jeito que está, nossa ação é para que nossas bancadas votem contra”, diz.

Segundo Tavares, a entidade concorda com o texto da MP, com a exceção do artigo que trata da mudança na concorrência.

O argumento é que a mudança desestrutura a operação de subsídio cruzado entre cidades mais ricas e mais pobres, e que a mudança na forma de contratação faria com que as empresas privadas ficassem apenas com as cidades mais atrativas economicamente, deixando às públicas apenas os municípios mais carentes de estrutura.

A MP também traz outras mudanças consideradas importantes, como as regras que tornam a ANA (Agência Nacional de Águas) uma agência reguladora federal para o saneamento, o que não existia até então.

Além disso, o texto traz regras que dão segurança jurídica a privatizações, ao permitir que a venda de controle das companhias públicas não implique no rompimento dos contratos que a empresa tem com os municípios.

Caso o texto não seja aprovado, as empresas acreditam que o debate será retomado no próximo governo.

No entanto, ainda não se sabe qual é a proposta de Bolsonaro para o saneamento básico.

Durante a campanha, o então presidenciável não participou de nenhum debate promovido pelas associações setoriais para expor propostas. Até agora, as entidades tampouco encontraram algum interlocutor dentro da equipe do novo governo.