Investimento necessário supera em muito orçamento estatal, e parceria com setor privado é a alternativa

Editorial – Jornal O Globo

25/08/2019 – 00:00

A Câmara prevê votar até a segunda quinzena de outubro uma nova legislação para investimentos em saneamento básico. O ponto de partida está na consolidação de propostas apresentadas na última década sob a forma de nove projetos de lei e três Medidas Provisórias já analisadas pelo Senado.

É boa notícia. Trata-se, essencialmente, de eliminar no século XXI resquícios de um Brasil ainda emoldurado no século XIX: são 110 milhões de pessoas sem acesso à infraestrutura de coleta de esgotos e 35 milhões sem dispor de água potável.

As crônicas deficiências no saneamento básico afetam as famílias mais pobres. A coleta de esgotos, por exemplo, alcança apenas um de cada quatro domicílios onde a renda familiar soma no máximo meio salário mínimo mensal (cerca de R$ 500). Os dados oficiais sobre saúde populacional indicam a média de 6 mil mortes anuais como resultado da indisponibilidade de infraestrutura de saneamento.

No horizonte das finanças estatais não se enxerga a menor possibilidade de esse quadro trágico vir a ser superado apenas com recursos públicos. Estima-se necessidade de US$ 175 bilhões em investimentos, o equivalente a R$ 700 bilhões, para a universalização dos serviços de saneamento nos próximos 15 anos. É um volume de dinheiro cinco vezes maior, por exemplo, que o déficit previsto nas contas do governo federal neste ano.

O orçamento setorial caiu pela metade nas últimas quatro décadas. No período mais recente, a maior parte do dinheiro público disponível continuou onde estava, sem uso, por deficiência nos projetos estaduais e municipais. Ano passado, 41% dos recursos federais foram usados de forma concentrada — captados por empresas de saneamento que não precisavam deles, porque têm acesso garantido ao mercado de capitais, onde poderiam suprir suas necessidades de financiamento.

As empresas públicas estão financeiramente exauridas. Raras são lucrativas. Entre as dez maiores, nove gastam mais da metade de sua receita operacional com a folha salarial. Na média, operam com 60% de perdas no abastecimento de água.

A alternativa é uma parceria entre setores público e privado, baseada em regras claras que estimulem a competição, qualifiquem a regulação e viabilizem os ganhos de escala na prestação de serviços.

Essa é a equação política que o Legislativo precisa resolver ainda neste ano para que o país, enfim, consiga emergir do século XIX.