Por Fabio Graner – Valor Econômico

Os analistas fiscais Vilma Pinto e José Roberto Afonso, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV), estranharam as projeções do Banco Central para a dívida bruta. O BC estimou a dívida encostando em 80% do Produto Interno Bruto (PIB), caso o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) não devolva recursos ao Tesouro Nacional, e em 78% do PIB, caso haja a devolução.

Com essa previsão, o BC apresentou cenário pior que a média do mercado, considerando o Prisma Fiscal do Ministério da Fazenda, incluindo empresas do Podium, que reúne as três que mais acertam previsões no Prisma.

Ao Valor, Vilma informou que projeta a dívida bruta em 76,2% do PIB, sem devolução do BNDES. Mesmo ajustando algumas premissas, ela se aproxima da mediana do mercado, de 77,2%. No Podium, a mediana do mercado está 75,4% do PIB, embora o documento da Fazenda não deixe claro se as projeções coletadas consideram a possibilidade de retorno de R$ 130 bilhões do BNDES ao Tesouro.

Primeiro lugar na pesquisa, o Itaú Unibanco projeta 75,6% de dívida bruta no fim do ano, mas explica que considera a devolução dos recursos do banco estatal ao Tesouro. Mesmo assim, a estimativa é bem mais favorável que a do BC. Sem isso, a previsão é dois pontos percentuais acima, nível melhor do que o previsto pelo BC.

Segundo Pedro Schneider, economista da instituição, fatores como um crescimento do PIB previsto de 3% e a expectativa de resultados primários com déficit menores favorecem um desempenho menos pior da dívida neste ano. Para ele, é natural que haja diferenças de números com o BC, que, por exemplo, espera um crescimento de 2,6% para o PIB. Tanto Schneider como Vilma comentam que questões como qual o deflator do PIB (que afeta o valor nominal do indicador) podem levar a diferenças maiores nas projeções.

Afonso questiona a posição “pessimista” da autoridade monetária, em especial quando calcula o resultado sem a devolução do BNDES e joga a dívida para perto do limite informal das agências de classificação de risco. “Em geral, as projeções do governo para variáveis fiscais sempre são mais otimistas do que as do mercado”, disse. “É muito estranho que agora se apresente um cenário na direção exatamente oposta ao padrão histórico e ao esperado pelo ritual do cargo.”

Para ele, há duas possíveis explicações para isso. Uma seria a tentativa de influenciar parlamentares e opinião pública a aprovar a reforma da Previdência Social. “Pessoalmente, defendo a reforma, mas acho que ela deveria ser situada e defendida como necessária para se construir um novo pacto social e fiscal. A tática do medo nunca é um bom caminho”, disse.

O segundo motivo, segundo Afonso, seria tentar forçar a devolução de recursos do BNDES, pintando um quadro de “tempestade”. “É lamentável que, depois de todas as distorções e desvios a que o BNDES já serviu para distorcer a política fiscal no governo passado, continue sendo usado com a mesma finalidade na política fiscal atual, ainda que no sentido inverso.”

Afonso afirma que o BNDES tem liquidez elevada, mas isso é um fenômeno de todo o sistema bancário. O governo, diz, está buscando “demonizar e desmoralizar a instituição”, o que afeta negativamente o investimento. “O caixa que deveria atender ao crédito precisa ser canalizado para o Tesouro – e sem nenhuma garantia de que isso reduzirá a dívida pública, como não reduziu no fim de 2016.”

O economista destaca que hoje o maior problema fiscal do Brasil é de fluxo, ou seja, da necessidade de alinhar receitas e despesas. “Não se fez o ajuste fiscal e o governo está se endividando agora para cobrir gastos correntes, e não consegue cumprir nem mesmo a regra de ouro”, comentou.

A necessidade de cumprir o dispositivo constitucional da regra de ouro, que veda endividamento para cobrir despesa corrente, é o principal motivo para o Ministério da Fazenda pressionar o BNDES a devolver recursos ao Tesouro, pois há risco de caracterização de crime de responsabilidade pelas principais autoridades do governo.

“Embora a Constituição preveja que o Congresso autorize a quebrar a regra de ouro, por maioria absoluta, é curioso que não se opte por pedir essa flexibilidade ao mesmo Congresso que já aceitou revisar e piorar a meta fiscal, e se prefira esconder a situação antecipando recursos do BNDES”, ataca Afonso. “É melhor ser transparente sobre a adversidade do cenário fiscal, do que usar o BNDES para esconder as dificuldades.”

Procurado pelo Valor, o BC informou que suas projeções de dívida consideram o cenário de cumprimento da meta fiscal e não faz considerações sobre eventuais medidas, como as relativas a depósitos compulsórios. O BC lembra que as projeções de dívida consideram outras variáveis macroeconômicas e isso pode gerar diferentes números.