Por Valor Econômico

01/03/2019 – 05:00

A economia brasileira em 2018 cresceu apenas 1,1%, reforçando o quadro de fraqueza do PIB, marcado pela recuperação lenta do investimento e pela expansão modesta do consumo das famílias. Para completar, a atividade em 2019 queimou a largada, com indicadores apontando um fraco desempenho também em janeiro. Aliado à baixa “herança estatística” deixada por 2018, de 0,4%, isso torna mais difícil um crescimento na casa de 3% neste ano. Uma expansão do PIB mais próxima de 2% desponta como a mais provável.

Dados do mercado de trabalho decepcionaram. O desemprego no trimestre encerrado em janeiro ficou em 12%, acima do previsto. O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) mostrou a criação de 34 mil vagas formais no primeiro mês do ano, bem abaixo da média de 82 mil estimada pelos analistas.

Com uma atividade que custa a engatar e uma inflação baixa, inferior a 4%, começa a crescer entre os economistas a ideia de que pode ser necessário um corte na Selic neste ano. A taxa está em 6,5% ao ano desde o início de 2018.

Uma redução ainda não faz parte da maioria dos cenários e quem a projeta em geral condiciona a ação do BC à aprovação da reforma da Previdência.

A economia continua a caminhar a um ritmo fraco, mesmo depois da recessão cavalar do segundo trimestre de 2014 ao quarto de 2016. No ano passado, as incertezas provocadas pela greve dos caminhoneiros e pelas eleições travaram muitos investimentos, numa economia que ainda tem enorme capacidade ociosa. O clima de indefinição diminuiu após a eleição, mas ainda há dúvidas sobre a reforma da Previdência.

O resultado acumulado pelo PIB em quatro trimestres evidencia a dificuldade da atividade em ganhar tração. Nessa medida, o PIB atinge o fundo do poço no segundo trimestre de 2016, com uma queda de 4,5% e se recupera aos poucos, atingindo alta de 1,1% no acumulado em 2017. De lá para cá, o desempenho pouco se alterou – alcançou crescimento de 1,4% nos quatro trimestres até setembro de 2018, mas voltou para o ritmo de 1,1%. Num ranking de 42 países que já divulgaram o dado de 2018, o Brasil ocupa o 40º lugar, segundo a Austin Rating.

A recuperação da economia brasileira é a mais lenta da história das várias recessões pelas quais passou o país, diz Alberto Ramos, diretor do Goldman Sachs. Nos oito trimestres que se seguiram à recessão de 1981/83, quando o PIB recuou 8,5%, a atividade cresceu 11,7%. Dois anos após a contração de 7,7% de 1989/92, o crescimento foi de 8,4%. Já nos oito trimestres após a recessão de 2014/16, marcada por contração de 8,2%, o PIB acumulou expansão de apenas 3,4%. Esse número é a comparação entre o PIB do quarto trimestre de 2016 e o quarto trimestre de 2018, na série com ajuste sazonal. “As recuperações costumam ser em ‘V’, mas esta tem sido de um ‘U’ sem inspiração”, diz Ramos.

Ao longo do ano passado, o avanço da economia não foi uniforme. Cresceu 0,4% no primeiro trimestre, zero no segundo, 0,5% no terceiro e apenas 0,1% no quarto, na série com ajuste sazonal. “Em linhas gerais, vimos uma economia num ritmo mais fraco no fim do ano”, afirma Alessandra Ribeiro, diretora de macroeconomia e política da Tendências Consultoria.

Exemplo disso é que, dentro do setor serviços – que subiu 0,3% no quarto trimestre em relação ao trimestre anterior -, o comércio caiu 0,1%, mostrando que mesmo o consumo teve desaceleração. Ainda no lado da oferta, a indústria caiu 0,3% e agropecuária cresceu só 0,2%.

Pelo lado da demanda, a formação bruta de capital fixo (FBCF, medida do que se investe em máquinas, equipamentos, construção e pesquisa) caiu 2,5% no quarto trimestre. O consumo das famílias cresceu 0,4%, e o do governo caiu 0,3% no período. No acumulado do ano, o investimento cresceu 4,1%, o primeiro ano de expansão depois de quatro anos seguidos de queda. A alta em 2018 da FBCF, que caiu mais de 30% na crise, foi em parte inflada pelas operações de plataformas de petróleo, que passaram a ser registradas como importação de bens de capital.

Já o consumo das famílias cresceu 1,9% no ano passado, um ritmo tampouco exuberante. Segundo Rebeca Palis, coordenadora de Contas Nacionais do IBGE, a demanda das famílias foi s principal responsável pela expansão de 2018, compensando a contribuição negativa do setor externo, de 0,5 ponto percentual, pois as exportações cresceram menos que as importações.

Para Alessandra Ribeiro, o consumo das famílias deve continuar a puxar o PIB neste ano, estimado em alta de 2%. Além da massa de renda, que deve avançar 2,7% em termos reais e, a ocupação, que deve subir 1,6%, o crédito deve ajudar. O cenário-base da Tendências é de estabilidade para a Selic até o fim do primeiro trimestre de 2020. Para a consultoria, a atividade não reagiu mais por causa do conjunto de choques – greve dos caminhoneiros, mudança do cenário externo, guerra comercial e incerteza eleitoral- do que por uma política monetária restritiva.

O Itaú Unibanco, que como a Tendências prevê expansão de 2% em 2019, diz que a estimativa deve ganhar viés de baixa se os dados continuarem decepcionando. Segundo o economista Artur Passos, a projeção preliminar da instituição para o primeiro trimestre é de alta de 0,3% do PIB sobre o anterior. Também atrapalha a herança estatística de 0,4% deixada por 2018. Isso significa que, se o PIB encerrar este ano no mesmo nível do fim de 2018, o crescimento será de 0,4%.

Faltam elementos que impulsionem a economia a um ritmo acima de 2%, diz José Francisco de Lima Gonçalves, economista-chefe do Banco Fator. Ele estima alta de 1,8% no PIB este ano. A indústria deve avançar com dificuldades. Se tudo der certo, afirma, cresce 2%, após o fraco 0,6% de 2018. Mas a estimativa embute riscos. Ele aponta a recessão argentina e o cenário mais conturbado no exterior, que deve manter a volatilidade dos juros longos aqui. A desaceleração global pode implicar menos exportações. “Isso afeta as decisões de investimento e produção”, afirma Gonçalves, dizendo que, do lado doméstico, a fragilidade política demonstrada pelo governo também entra nessa conta.

O economista espera a aprovação da reforma da Previdência, mas tem dúvidas quanto à capacidade de esse fator se traduzir em aumento de atividade. Ele cita ainda como entraves o mercado de trabalho precário e a falta de recursos dos governos federal e regionais para investimentos. Gonçalves acredita numa queda da Selic até o fim do ano. Para ele, o juro deve ficar em 6% “no máximo”.

No cenário do banco chinês Haitong, que vê crescimento de 2,2% neste ano, o primeiro trimestre cresce pouco, em torno de 0,2%. No segundo acelera para 0,6%, chegando ao terceiro e quarto trimestres entre 0,8% e 1%, na série com ajuste sazonal. “Os juros estão baixos, as condições financeiras melhoraram e nosso cenário leva em conta a aprovação da reforma da Previdência, que deve se traduzir em aumento de atividade”, afirma o economista-sênior do banco, Flávio Serrano. O Haitong contempla juros no nível atual até o fim do ano devido a riscos associados à tramitação da Previdência.

Para o secretário de Política Econômica do Ministério da Economia, Adolfo Sachsida, o resultado do PIB do ano passado e do quarto trimestre mostra a necessidade de aprovação da reforma da Previdência. “Sem isso, teremos uma nova década perdida”, diz ele, lembrando dos anos 1980, em que houve perda de 0,3 ponto porcentual ao ano de PIB per capita, cenário que se repete no período de 2011 a 2018. Para Sachsida, a ausência da reforma previdenciária também afetou o ano anterior, que teve a mesma taxa de expansão. “O problema fiscal está sendo determinante e puxando o PIB para baixo”, afirma o secretário. (Ana Conceição, Sergio Lamucci, Estevão Taiar, Thais Carrança, Arícia Martins, Hugo Passarelli, Bruno Villas Bôas e Alessandra Saraiva)