É louvável o esforço investigativo do realizador, mas faltou mais cuidado na montagem das sequências em Brasília

Lúcia Monteiro – Folha de São Paulo

22.ago.2019 à 1h30

O que acontece quando se privatiza a água? É a partir da experiência do Chile que o documentário “O verde está do outro lado” busca responder a questão. Primeiro longa-metragem de Daniel A. Rubio, o filme traça um paralelo entre as realidades chilena e brasileira, combinando fôlego investigativo, postura crítica e engajamento político.

Em 1981, ainda durante a ditadura de Augusto Pinochet, um novo código de águas chileno não apenas permitiu que empresas privadas controlassem o acesso à água mas desvinculou-a da propriedade da terra, inaugurando um sistema que está entre os mais radicais do mundo no que diz respeito à privatização dos recursos hídricos.

“O verde está do outro lado” estrutura-se na comparação entre o cenário brasileiro e o chileno e, mais especificamente, entre o município de Correntina, no oeste da Bahia, e Petorca, na região de Valparaíso. Cercado por vários rios, o município baiano enfrenta atualmente uma série de conflitos ligados à água, em meio ao avanço do agronegócio.

O filme mostra os efeitos negativos da privatização dos recursos hídricos e dos grandes projetos de irrigação na província chilena. Rios importantes secaram e pequenos agricultores tiveram sua produção comprometida, vivendo em situação de miséria.

É louvável o esforço investigativo do realizador. Em uma sequência corajosa, filmada no Chile, a câmera segue caminhões pipa, com o objetivo de comprovar que buscam água em poços construídos originalmente para abastecer camponeses.

O documentário ficaria melhor, porém, se esse investimento em reportagem investigativa e o engajamento político em favor de práticas agrícolas sustentáveis fossem acompanhados de um melhor acabamento. Em alguns momentos, a montagem parece apressada, enfraquecendo os pontos defendidos pelos entrevistados. Teria sido proveitoso, nesse sentido, explicitar como a realização decidiu quem ouviria.

Faltou, por exemplo, mais cuidado na montagem das sequências em Brasília. Se é de fato importante mostrar como a discussão sobre a privatização da água está ocorrendo no parlamento brasileiro, isso precisaria ser feito com uma maior preocupação formal. Afinal, um longa-metragem não precisaria reproduzir a mesma prática da televisão, de exibir por demorados segundos o Senado e a Câmara do lado de fora, enquanto se ouve o discurso de determinado parlamentar.