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Publicado em 22/03/2018

Os direitos humanos devem orientar a prestação de serviços, a regulação e as políticas públicas de água e saneamento. Se o Fórum Mundial da Água — que ocorre esta semana em Brasília (DF) — reafirmar esses princípios, será um passo importante rumo à universalização desse direito.

A opinião é do relator especial da ONU para o direito à água e ao saneamento, o brasileiro Leo Heller. Para ele, a situação do Brasil ainda é preocupante, uma vez que 50% da população não tem atendimento a redes de esgoto.

Os direitos humanos devem orientar a prestação de serviços, a regulação e as políticas públicas de água e saneamento. Se o Fórum Mundial da Água — que ocorre esta semana em Brasília (DF) com autoridades e especialistas — reafirmar esses princípios, será um passo importante rumo à universalização desse direito.

A opinião é do relator especial da ONU para o direito à água e ao saneamento, o brasileiro Leo Heller. “A minha esperança, não diria expectativa, porque é muito difícil de fazer projeções, é que esse fórum oficial reafirme muito fortemente o conceito dos direitos humanos à água e esgotamento sanitário”, disse, em entrevista ao Centro de Informação das Nações Unidas para o Brasil (UNIC Rio), paralelamente aos eventos do Fórum Mundial da Água.

Na quarta-feira (20), representantes de mais de 100 países que participaram da conferência ministerial durante o evento em Brasília divulgaram uma declaração conjunta na qual fazem um “chamado urgente para uma ação decisiva sobre a água”.

A declaração reforça a necessidade de os países respeitarem “o direito de todos os seres humanos, independentemente da sua situação e localização, à água potável e ao saneamento como direitos humanos fundamentais, previstos no direito internacional dos direitos humanos, no direito internacional humanitário e nas convenções internacionais pertinentes”.

Heller lembrou que os direitos humanos à água e ao esgotamento sanitário foram reconhecidos por resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas em 2010, embora seja possível considerar que eles tenham sido indiretamente reconhecidos já em 1948, com a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

“Evidentemente, a resolução foi importante, teve repercussões”, declarou o relator da ONU. “Alguns países da América Latina já tratavam deste tema, por exemplo, o Uruguai, que mesmo antes da resolução já tinha o direito à água assegurado em sua Constituição”, disse.

“Mas, começa a haver, muito lentamente, alguma incorporação desse conceito por parte dos países latino-americanos. Eu diria que ainda há muito a fazer nessa incorporação”, afirmou.

No Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS) referentes a 2016, apenas 50% da população brasileira têm atendimento por redes de esgotos e 77% a redes de água.

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, aprovada pela comunidade internacional em 2015, tem um objetivo específico para o tema. O ODS 6 prevê assegurar a disponibilidade e gestão sustentável da água e saneamento para todas e todos nos próximos 12 anos.

O relator da ONU elogiou o marco regulatório brasileiro para o saneamento, criado em 2007 e considerado “positivo e progressista”. No entanto, ressalvou que a legislação não se transformou, na prática, em acesso efetivo da população a esses direitos.

“O marco regulatório é muito importante. É necessário, mas não é suficiente. (…) Ele prevê o planejamento como eixo central, menciona o controle social, o respeito ao direito dos titulares dos serviços. Fala em proteger as populações de baixa renda, entre outros aspectos”, declarou.

“Mas, evidentemente, existe um ‘gap’ entre se aprovar a lei e implementá-la”, disse. “Esse marco regulatório, em conjunto com mais financiamento que ocorreu até o final da década de 2000, foi muito positivo. Isso aumentou em alguma medida a cobertura. Mas, ainda há muito que fazer”, disse Heller, lembrando que a situação ainda é preocupante.

De acordo com o relator da ONU, o atual momento não é favorável para a área de saneamento no Brasil. Segundo ele, o Plano Nacional de Saneamento não tem sido prioridade do governo federal, e o financiamento ao setor também tem desacelerado.

“Não tem havido algo que o Plano Nacional de Saneamento aponta como fundamental, que é investir em medidas estruturantes, como fortalecer a gestão, pensar em bons modelos tarifários, investir no planejamento, na regulação”, disse. “Esse ambiente institucional é tão importante e talvez até mais do que dinheiro, financiamento. E na minha percepção isso tem sido deixado de lado nos últimos anos”, completou.

“Isso pode ter repercussões de médio e longo prazo para o setor, não é muito fácil se recuperar de momentos de baixa prioridade”, afirmou.

O relator também comentou iniciativas de privatização de operadores de serviço de saneamento. Segundo ele, a privatização em si não é violadora dos direitos humanos, mas traz riscos caso não seja bem regulada.

“Se a privatização se dá sem uma regulação minimamente relevante, pode levar a violações dos direitos humanos, claramente, a aumento de tarifas, exclusão de populações de baixa renda, exclusão das populações rurais”, declarou.

De acordo com o especialista, a tendência mundial é justamente oposta, no sentindo de uma reestatização dos serviços privatizados. “Há estudos que mostram que nos últimos 15 anos ocorreram quase 250 remunicipalizações em várias partes do mundo, por diferentes insatisfações com o prestador privado”, declarou.

“É necessário, quando se pensa em soluções como essa, aprender com a experiência de outros países e com estudos acadêmicos que avaliaram os processos de privatização. Há que se ter cuidado”, afirmou.

Denúncia de organizações da sociedade civil

Durante o Fórum, organizações da sociedade civil entregaram uma denúncia ao relator das Nações Unidas sobre o que consideram uma histórica e sistemática violação por parte do Estado brasileiro aos direitos humanos de acesso à água potável e ao saneamento.

O Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), a Artigo 19, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social e a Conectas também protocolaram o documento na quarta-feira (21) junto ao Escritório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH).

Segundo as organizações, os investimentos da União em saneamento vêm sofrendo quedas todos os anos, com um corte de 45% entre 2012 e 2018. Além disso, alegaram que somente em 2016 a União recolheu 2,5 bilhões de reais das 27 empresas estaduais e distrital de saneamento na forma de imposto de renda e contribuição social — arrecadação que não tem sido revertida em investimento no setor.

João Paulo Capobianco, presidente do conselho do Instituto Democracia e Sustentabilidade (IDS), explicou em coletiva de imprensa na quarta-feira que a denúncia é baseada no argumento de que o nível de expansão do sistema de abastecimento de água e saneamento no Brasil não tem evoluído nos últimos 20 anos.

“A resolução da ONU prevê que os Estados devem empenhar todos os esforços e recursos disponíveis para atender esses direitos humanos (de água e saneamento)”, declarou Capobianco. “O problema é que além de não haver evolução no atendimento, além de haver retrocesso, está havendo um abandono dessa ação”, completou.

A entrega da denúncia ao relator da ONU foi feita durante fórum paralelo da sociedade civil realizado também em Brasília ao lado do local em que ocorria o Fórum Mundial da Água.

“Esse abandono se verifica na redução dramática dos investimentos públicos nessa área. Ou seja, não estamos falando sequer de uma manutenção do investimento. Estamos falando de uma redução dos investimentos”, disse Capobianco.

Na ocasião, Heller afirmou que analisará as denúncias para posteriormente verificar se há razões para questionar o governo brasileiro sobre o tema.

“Meu compromisso é mergulhar no relatório e procurar verificar os argumentos dos quais o documento faz uso e tomar melhor decisão sobre qual a melhor maneira de atuar frente a esse quadro”, declarou.