Santa Maria está no melhor nível desde maio de 2016, diz Adasa. Mesmo com bons números e fim do racionamento, especialistas alertam para uso consciente da água.

Por Daumildo Júnior*, G1 DF

22/03/2019 05h36

Há menos de um ano, o Distrito Federal colocou um ponto final no regime de racionamento de água implementado para enfrentar a pior crise hídrica da história da capital. Nesta sexta-feira (22), quando é celebrado o Dia Mundial da Água, o reservatório do Descoberto ostenta 100% da capacidade por 41 dias consecutivos.

O rodízio de cortes de água começou justamente nessa bacia, que abastece mais da metade dos imóveis do DF. Em 16 de janeiro de 2017, o reservatório amargava um índice de 19,1% – abaixo dos 20% considerados “gatilho” para o racionamento.

Hoje, em um cenário completamente diferente, tem sido possível ver a água vertendo sobre as paredes do reservatório. Esse “excedente” segue o curso do rio e pode ser explorado por agricultores, ou continuar o caminho até Corumbá IV, já em Goiás.

Entre 1º e 9 de fevereiro deste ano, o volume da bacia sofreu uma “tímida” retração – atingiu os 99,3%. No entanto, o reservatório logo se recuperou e passou a exibir a capacidade máxima a partir de 10 de fevereiro.

Antes desse período, a bacia também viveu momentos com o volume máximo. Isso ocorreu de 27 de dezembro de 2018 a 31 de janeiro de 2019.

Assim como o Descoberto, o reservatório de Santa Maria – segundo mais importante do DF – vem mostrando bons números. Segundo a Agência Reguladora das Águas (Adasa), ele está no melhor nível desde maio de 2016. Atualmente, exibe 77,3% da capacidade.

Para especialistas, este “bom momento” vivido pelos reservatórios é devido às chuvas. Apesar da atual fartura, o professor de manejo de bacias hidrográficas da Universidade de Brasília (UnB) Henrique Leite Chaves alerta que os brasilienses precisam manter a consciência sobre o uso racional da água:

“Este ano é um ano bom, mas Brasília pode voltar a ter um ano ruim”.

O consultor e engenheiro civil Adauto Santos reforça o alerta: “Nada garante que, no fim deste ano, não tenhamos problemas com água”. O especialista explica que uma grande parte do consumo das bacias é para a irrigação.

“A bacia do Descoberto é muito usado para irrigação da agricultura. Por isso, é preciso ter um controle de captação.”

Uma auditoria divulgada em fevereiro deste ano pelo Tribunal de Contas do DF apontou uma série de falhas no controle de autorizações concedidas pela Agência Reguladora de Águas (Adasa) para captação de recursos hídricos na capital.

De acordo com o documento, o órgão “desconhece quantas outorgas foram concedidas por ela mesma”. Essas outorgas são dadas a agricultores, indústrias, condomínios ou mesmo a moradores que retiram água diretamente de poços, ou do leito dos rios.

Pelas regras em vigor, hoje, quem tem outorga de captação direta só paga conta de água se usar alguma estrutura da Caesb no processo. Quem faz tudo “por conta própria” recolhe a água de graça.

As outorgas são autorizações emitidas pela Adasa que permitem, por um prazo determinado, a captação de água em lagos, rios e nascentes do DF. O registro da concessão também é obrigatório para abastecimento de caminhões-pipa e até para regularização de barragens.

Hábitos que mudam?

Adauto Santos também diz que o consumo de água diminuiu do século passado para hoje. Segundo ele, em 1991, cada brasiliense consumia uma média de 200 litros por dia. Em 2019, esse número caiu para 150 litros.

Apesar da queda, o especialista afirmou que, em algumas regiões, esse consumo é bem diferente e que as classes mais altas devem poupar mais.

“No Lago Norte e Sul, a média de consumo é de 400 litros. No Paranoá, esse número é inferior a 80 litros por pessoa, o que começa a preocupar, pois podem estar em situação de insalubridade.”

Para Adauto, o ideal seria que cada brasiliense consumisse 100 litros de água por dia.

O calcanhar de Aquiles

O professor da UnB Henrique Leite Chaves afirmou que o “calcanhar de Aquiles do Distrito Federal é a região norte”.

Diferentemente das outras regiões administrativas abastecidas pelos reservatórios do Descoberto e de Santa Maria, Planaltina e Sobradinho dependem exclusivamente dos córregos – Pipiripau, Mestre D’Armas, Quinze, Corguinho, Brejinho, Paranoázinho e Fumal – para terem água nos canos dos imóveis.

Crise hídrica: Planaltina e Sobradinho são as regiões mais críticas do DF, diz Caesb

A preocupação do docente se deve pelo fato de não existir uma segunda alternativa de abastecimento para esses locais. Henrique explicou que, caso ocorra algum problema com os rios, essas regiões não têm outra fonte de água.

Em outubro de 2017, Planaltina viu um dos seu principais córregos e fonte de abastecimento, o Pipiripau, amargar com a escassez de água. Os 179 mil moradores da região foram pegos de surpresa e tiveram que enfrentar longos períodos sem o recurso.

Alguns bairros chegaram a ficar seis dias com as torneiras secas no período em que a capital registrou a maior temperatura da história, 37,3°C. Uma de suas vizinhas, Sobradinho, que tem 142.449 mil habitantes, também padeceu do mesmo problema.

O especialista da UnB diz que o remédio é a prevenção, por meio da conservação e do uso consciente da água. O consultor Adauto Santos reforça que o problema pode ser resolvido com melhores planos de atuação.

“É preciso fazer planos de gerenciamento integrados e de recursos hídricos por bacia. O intuito é quantificar a água que tem disponível mês a mês e definir usos prioritários.”

Preocupações do futuro

De 1991 até 2016, o consumo de água no DF subiu para 2,1 mil litros de água por segundo. De acordo com Adauto Santos, com a criação de Corumbá IV e do sistema que permite bombear água da estação emergencial do Lago Paranoá haverá uma reposição maior de água para a capital – o que pode gerar uma “folga” do recurso.

Com todas as obras funcionando, Adauto calcula que a “folga” pode alcançar os 500 litros de água por segundo. Apesar disso, o professor Henrique Leite Chaves diz que é preciso ter cautela. “A solução do Corumbá IV é momentânea. Deve durar entre 5 a 8 anos”.

Na mesma direção, Adauto Santos chama atenção para o controle no uso da água e a necessidade de evitar as perdas no percurso dos reservatórios até às residências. Em 2016, dados obtidos pelo G1 mostraram que cada ligação de água da Caesb em casas, comércio ou indústrias perdia, em média, 381 litros por dia.

Uso controlado

De acordo com o diretor da Adasa, Jorge Wernek, a intenção é diminuir o consumo no reservatório de Santa Maria. O objetivo com a medida é “garantir a segurança hídrica para os próximos meses”.

Segundo a Adasa, o reservatório do Descoberto tem capacidade aproximada de 8,6 milhões de litros e o de Santa Maria é cerca de 8,4 milhões de litros. Mas Jorge Werneck disse que os reservatórios se comportam de maneira diferente.

“O Descoberto tem comportamento hidrológico diferente em relação ao de Santa Maria. Ele desce o nível de água mais rápido, porém sobe mais rápido também, em função de características naturais da própria bacia, que é maior.”

Hoje, o reservatório do Descoberto é responsável por quase 70% do abastecimento do Distrito Federal.