Por Sergio Lamucci – Valor Econômico

Mendonça de Barros: problema exige que Tesouro e BNDES estejam alinhados

A devolução de recursos do BNDES ao Tesouro precisa respeitar o cronograma futuro de desembolsos já contratados pelo banco, diz o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros. Presidente do BNDES no governo Fernando Henrique Cardoso, ele afirma que o retorno de R$ 180 bilhões aos cofres do governo precisa ser tratada com responsabilidade. “Não é uma questão de ser boa ou má ideia”, comenta Mendonça de Barros, para quem a resolução do problema exige que o Tesouro e o BNDES estejam alinhados. “É uma coisa muito simples se os dois lados estiverem desarmados. Se estiverem armados, vai virar um bate-boca, como está mais ou menos hoje.”

Para ele, é um problema que envolve dois lados com interesses diferentes, e os dois têm interesses legítimos. De um lado, o Tesouro quer reaver recursos porque isso reduz a despesa futura do governo com subsídios, diminui a dívida bruta e ajuda no cumprimento da “regra de ouro”, que proíbe a emissão de dívida para cobrir despesas correntes. De outro, o BNDES tem um cronograma de empréstimos já contratados. O banco recebeu mais de R$ 500 bilhões do Tesouro entre 2007 e 2015, o que inflou excessivamente o tamanho da instituição.

“Não é porque o dinheiro está aplicado no overnight ou em títulos públicos que ele está disponível”, diz Mendonça de Barros. “Ele pode estar vinculado a desembolsos que o banco tem pela frente. Os projetos do BNDES às vezes têm três, quatro, cinco anos de desembolso. Agora, se existe um fluxo de caixa que permita uma devolução desse dinheiro antecipado, é correto que o BNDES faça isso.”

Mendonça de Barros diz que houve um “erro na origem” no inchaço do BNDES, com os grandes empréstimos do Tesouro ao banco nos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff. “Essa transferência de recursos do Tesouro para o BNDES da forma como foi feita nunca ocorreu antes”, afirma ele, observando que o banco sempre teve fontes institucionais de recursos, com origem fiscal. “Acho que foi primeira vez que o governo emitiu títulos públicos para dar dinheiro ao BNDES.”

Outro problema associado a isso é que, como o volume de recursos repassado ao BNDES foi muito grande num espaço de tempo muito curto, atropelou-se a dinâmica de empréstimos do banco, criando uma demanda especulativa, avalia Mendonça de Barros. “O exemplo mais típico disso é o PSI [Programa de Sustentação do Investimento], que, no caso dos caminhões, financiava 90% do bem com juros lá embaixo, abaixo de qualquer número razoável.”

Para o economista, contudo, “essa origem errada não pode implicar em atitudes também erradas no sentido contrário”. O ponto, segundo ele, é que, “certo ou errado, esse dinheiro entrou no BNDES para fazer alguns programas e, certo ou errado, esses programas foram realizados e assumiram-se compromissos futuros de desembolso com os tomadores de recursos”.

Na visão de Mendonça de Barros, “o problema não é tirar ou não R$ 180 bilhões, mas de onde tirar esses R$ 180 bilhões”. O que não pode ocorrer, segundo ele, é comprometer o fluxo institucional que o banco tem. “O BNDES tem uma carteira de empréstimos que retornam todo mês, e que são reciclados em novos financiamentos. Esses recursos não podem ser usados para devolução para o Tesouro, pois interromperia o fluxo de novos financiamentos do banco.”

Também ex-ministro das Comunicações, Mendonça de Barros afirma que o BNDES assumiu compromissos de desembolsos futuros com os recursos repassados pelo Tesouro e que estão ainda no caixa da instituição. “Também esses valores não poderão ser devolvidos antecipadamente sob o risco de não se cumprir os compromissos contratuais já assumidos, o que afetaria a credibilidade do banco.”

Uma opção para o BNDES ter uma “fonte adicional de liquidez” é a venda da carteira da BNDESPar, diz ele. O braço de participações do banco em empresas “tem uma carteira relevante de ações e debêntures”, lembra Mendonça de Barros.

Para ele é o caso de se desfazer desses papéis, “seja pela venda simples em mercado ou pela utilização de derivativos, como já foi feita no passado”. Em sua gestão à frente do banco, havia uma cota de redução semanal da carteira, diz.

“Há mecanismos de derivativos que podem acelerar esse processo. Na minha época, nós lançamos opções de venda da carteira da Telebrás.” É necessário, porém, reduzir a carteira com cuidado, para evitar uma queda forte dos preços das ações. “Num momento de restrição fiscal e de restrição de recursos do BNDES, a pergunta que fica é se essa é a melhor alternativa de aplicação dos recursos que estão lá.”

Para Mendonça de Barros, o encolhimento rápido do BNDES neste momento “certamente será negativo nos próximos anos”. O país, diz ele, está numa recuperação cíclica e, “se tudo correr bem nas eleições de 2018, vai entrar numa outra fase de crescimento em que o investimento será absolutamente necessário”. Segundo ele, o financiamento de projetos de empresas, de infraestrutura e de concessões será afetado pela redução do tamanho do banco. “Mas o BNDES tem um fluxo natural que sempre foi a base para a construção de seu orçamento de operações”, observa. “O que o governo do Lula e da Dilma fizeram foi criar um fluxo artificial, pela transferência de recursos do Tesouro que, nas condições atuais, não é mais sustentável.”

Nas novas operações de crédito, como no financiamento à infraestrutura e no apoio às privatizações, o BNDES terá que reduzir a sua participação e contar com o setor privado como fonte adicional de recursos”, diz Mendonça de Barros. Para ele, o banco deverá atuar como um cofinanciador, entrando com 30% a 35% dos recursos necessários para os projetos, num quadro de restrição fiscal. Além disso, o Brasil hoje tem amplo acesso à poupança externa, como fica claro nos elevados fluxos de investimento estrangeiro direto no país. É um quadro bem diferente de 20 a 25 anos atrás, segundo Mendonça de Barros.

“Não há como evitar que a devolução dos recursos ao Tesouro passe a ser uma prioridade do BNDES neste e nos próximos anos para viabilizar o ajuste de caixa do Tesouro”, diz ele. “Mas volto a insistir que esse trabalho terá que ser realizado com Tesouro e BNDES alinhados.”

Ao falar da TLP, Mendonça de Barros diz ver com bons olhos a iniciativa, que substituirá a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) nos empréstimos do BNDES a partir do ano que vem, eliminando os subsídios em cinco anos. “Não dá para ter um banco público que viabiliza projetos porque há subsídio. Nós vivemos uma realidade fiscal completamente diferente”, segundo Mendonça de Barros. Ele diz não ver correlação, porém, entre a adoção da TLP e a possibilidade de aumento da potência da política monetária ou de redução do nível do juro estrutural (que permite ao país crescer sem gerar pressões inflacionárias). “Não há dados hoje para fazer essa afirmação”, afirma Mendonça de Barros, para quem o uso desses argumentos é “muito mais ideológico”, para ajudar na aceitação da TLP.