Por Daniel Rittner – Valor Econômico

Um decreto em fase final de elaboração no Palácio do Planalto deixará papel bastante reduzido ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) na privatização da Eletrobras e concentrará os preparativos nas mãos da própria estatal.

A divisão de responsabilidades, no caso da Eletrobras, tem uma diferença importante na comparação com processos anteriores. Tradicional agente do governo no Programa Nacional de Desestatização (PND), o BNDES ficará praticamente de fora dessa vez e a responsabilidade pelos estudos para a emissão de ações recairá sobre a companhia.

Entre as tarefas, estará a contratação de consultorias externas e escritórios de advocacia para o desenho de um novo acordo de acionistas – incorporando a “golden share” da União -, além da segregação da Itaipu Binacional e da Eletronuclear, que serão preservadas sob controle estatal.

Depois da queda de uma liminar que suspendia a contratação dos estudos, autorizada por medida provisória (MP 814), o decreto presidencial deve detalhar os próximos passos. O texto estava pronto no fim da semana passada, mas a publicação foi adiada por alguns dias devido à necessidade de ajustes na redação.

O encolhimento do papel relegado ao BNDES se deve essencialmente ao caráter de ineditismo do processo, que não se assemelha a uma privatização “comum”, conforme definem fontes responsáveis pelo decreto. Em vez da venda de ações por meio de leilão público, como foi o caso da Vale e da Embraer quando privatizadas, o processo agora se baseia em um aumento de capital que resultará em menor fatia societária da União e tomada do controle por acionistas privados.

Uma das fontes ouvidas pelo Valor recorre à venda de seis distribuidoras de energia administradas pela Eletrobras para explicar a diferença com o processo de capitalização da holding. No primeiro caso, o BNDES foi nomeado gestor da venda e tornou-se responsável pela apresentação ao governo de uma modelagem (como vender), bem como um “valuation” (qual valor) e o cronograma tentativo. É como se a Eletrobras tivesse dado uma procuração ao banco de fomento.

Já a emissão de novas ações é atribuição legal dos administradores da empresa e uma responsabilidade considerada “indelegável”. Caso os estudos fossem tocados pelo BNDES, segundo um funcionário do governo, poderia haver até mesmo alegações de conflito de interesses, porque o banco é acionista da Eletrobras.

Por trás dos argumentos jurídicos, no entanto, o Planalto demonstra certa insatisfação com a suposta demora do BNDES em entregar modelagens encomendadas recentemente. A concessão da Lotex e a própria venda das distribuidoras são citadas por assessores presidenciais como casos em que o trabalho do banco não foi bem avaliado em Brasília.

“É perfeitamente compreensível que a Eletrobras queria cuidar ela mesma do processo, agora, com o apoio de bancos de investimentos. O BNDES tem tido uma condução muito fraca dos processos nos últimos anos”, afirma a economista Elena Landau.

Ex-diretora de desestatização do BNDES nos anos 90 e ex-presidente do conselho de administração da Eletrobras no governo de Michel Temer, ela aponta duas razões para tirar o protagonismo do banco de fomento.

Um dos motivos, segundo Elena, é “técnico”: hoje a instituição tem menos quadros e menos expertise do que antes para fazer esse tipo de trabalho. Outro aspecto seria “político”: se em outros tempos a cúpula de cada empresa colocada no PND era contra sua própria privatização, hoje o processo conta com respaldo das próprias companhias, que têm mais conhecimento sobre suas necessidades. “Não é mais preciso fazer do BNDES um bunker das privatizações.”

De acordo com fontes do governo, não se descarta “quebrar” o decreto em dois, caso os ajustes técnicos comecem a atrasar sua publicação. Uma possibilidade seria, primeiro, editar decreto incluindo formalmente a Eletrobras no PND. Logo depois haveria, então, o detalhamento dos passos seguintes do processo.