Por Andrea Vialli | Para o Valor, de São Paulo

No Brasil, empresas antes consideradas exemplares se viram envolvidas em escândalos de corrupção, e, no contexto global, a postura dos EUA de se retirar do Acordo de Paris evidenciou o quanto a agenda da sustentabilidade tem predominado mais no discurso do que na prática. Mas, na avaliação de Marina Grossi, nem tudo são más notícias. A presidente do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável (Cebds) -, braço local do influente World Business Council for Sustainable Development, WBCSD, que reúne mais de 200 empresas globais – vê sinais de que a transição para a economia de baixo carbono já está acontecendo.

Prova disso são a crescente preferência dos investidores por empresas de energias limpas, a ascensão dos títulos verdes e as iniciativas que buscam quantificar o grau de dependência das empresas dos serviços prestados pela natureza. Veja os principais trechos da entrevista ao Valor.

Valor: De que forma a atual crise política e econômica afeta as iniciativas de sustentabilidade das empresas brasileiras?

Marina Grossi: É inegável que as questões de curto prazo estão tomando conta do noticiário, mas a agenda da sustentabilidade não deixou de ser relevante. O desmatamento ilegal, por exemplo, é um tema central para o Brasil, pois está crescendo, além de ser o principal elemento que contribui para as emissões de gases de efeito-estufa. Ao mesmo tempo, as metas assumidas no Acordo de Paris dizem respeito diretamente à agricultura e pecuária, que são setores que já estão buscando oportunidades nessa agenda. Eu faço parte do “Conselhão” [Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, colegiado composto por membros da sociedade civil que assessora o presidente da República] e tenho reforçado que não adianta o recuo da inflação e a queda dos juros se não avançarmos no combate ao desmatamento. Estamos diante de uma nova economia sendo construída, de baixo carbono, de valorização do capital natural, da qual o Brasil pode se beneficiar, e muito.

Valor: Qual o impacto para o movimento da sustentabilidade empresarial do fato de grandes empresas terem sido envolvidas em escândalos de corrupção? E ainda em grandes desastres ambientais?

Marina: É preciso entender que existem falhas nas questões de governança e no modo como a sustentabilidade é percebida pelo conselho de administração e pelos CEOs – ela precisa estar incorporada à gestão estratégica da empresa. Se olharmos para o desastre de Mariana (MG), por exemplo, houve falhas na governança e na gestão do risco, que não foi dimensionado de forma eficiente. E falar em risco é falar na linguagem das empresas. Mas vejo que as empresas que estão envolvidas em crises estão buscando se reposicionar.

Valor: No contexto global, a saída dos EUA do Acordo de Paris abala a agenda global de sustentabilidade?

Marina: Mesmo com a saída dos EUA, já foi dado um grande salto desde o Protocolo de Kyoto. De lá para cá, a geopolítica do clima mudou, os países emergentes se tornaram mais atuantes. A China planeja sair do carvão e já é uma potência em energias renováveis. Outra grande mudança foi em relação ao papel das empresas, que passaram a ter uma atitude mais propositiva e mais concreta do que havia na época em que Kyoto foi ratificado. Outro agente que passou a ter peso são as cidades, que, unidas em fóruns como o C40, passaram a se articular na questão climática, realizarem inventários de suas emissões de gases de efeito estufa, aprovarem leis específicas sobre o tema. A precificação do carbono é uma agenda sem volta.

Valor: Precificação de carbono é um tema que ainda parece distante. Como o Brasil pode se beneficiar desse cenário?

Marina: Nós precisamos avançar nesse tema. Sair do papel e tornar tangíveis os compromissos assumidos no Acordo de Paris, cumprir de fato o Código Florestal, requalificar o desenvolvimento do país para que atenda à economia de baixo carbono. Há inúmeras oportunidades para as empresas, como a eletrificação de ferrovias, algo que pode ser incluído nas próximas concessões. O próprio BNDES, que já financia mais de 50% das fontes renováveis no país, criou o Fundo para Energias Sustentáveis, que associa o desenvolvimento da infraestrutura energética aos títulos verdes – os green bonds.

Valor: Falamos de fatos negativos (crises, negação da agenda climática). Mas que eventos atuais se mostram favoráveis ao movimento da sustentabilidade?

Marina: O salto dos títulos verdes está acontecendo, inclusive no Brasil, e é uma boa notícia. Nos últimos seis meses o número de emissões de títulos verdes dobrou no país – só este ano, foram movimentados R$ 1,8 bilhão, sendo que o BNDES emitiu R$ 1 bilhão para projetos em energia eólica e solar. O Cebds acredita que o Brasil tem potencial de mercado de mais de US$ 5 bilhões até o fim do ano. Até o ano passado, a única empresa a emitir títulos verdes era a BRF, e logo em seguida outras três empresas associadas ao Cebds também realizaram emissões: CPFL Renováveis, Fibria e Suzano Papel e Celulose. No campo da mobilidade, há mudanças importantes acontecendo: o carro como sonho de consumo perde espaço, e as próprias montadoras já estão mais arrojadas em suas metas de sustentabilidade. A Volvo, por exemplo, assumiu o compromisso de fabricar só carros elétricos zero emissão a partir de 2019, o que vai impactar toda a cadeia de fornecedores.

Valor: Além da precificação do carbono, que outras tendências estão emergindo no âmbito da sustentabilidade empresarial?

Marina: Uma das iniciativas que destaco é a Aliança do Capital Natural, um movimento que já reúne 200 instituições no mundo todo, o Cebds é uma delas. O objetivo da aliança é facilitar o processo para que as empresas entendam e quantifiquem sua dependência do capital natural – água, biodiversidade, serviços ambientais. Isso já interfere na realidade das empresas. As questões hídricas podem fazer uma empresa mudar uma fábrica de lugar – isso ocorreu com a Coca-Cola, por exemplo. Outro caso é queda na produção de castanhas na Amazônia, como está ocorrendo agora, que traz desafios para empresas que dependem dessa matéria-prima, como a Natura. A água é uma questão muito palpável para as empresas: o Brasil pode concentrar 12% da água doce do mundo, mas o grande gargalo ainda é o saneamento básico. Vamos sediar em 2018 o Fórum Mundial da Água, em Brasília, e a ideia é que não seja só um evento: queremos que as empresas saiam de lá com uma contribuição concreta. Vamos trazer o que existe de tecnologias, não só de grandes empresas, mas também de startups para a gestão hídrica. Porque no Brasil não existe falta de água, existe falta de gestão.