Por Fabio Graner – Valor Econômico

Ainda não se pode dizer que o jogo acabou, mas o noticiário e as conversas de bastidores nas últimas semanas apontam como remotas as chances de aprovação da reforma da Previdência. Enquanto a proposta enviada há um ano ao Congresso parece viver seus estertores, o grave cenário fiscal que se desenha para 2019 vai ficando mais claro e exigirá discussão nas próximas eleições.

Independentemente da coloração partidária do presidente a ser eleito em 2018, seu início de mandato terá uma confluência de problemas fiscais, de natureza constitucional e legal, que terá que ser resolvida. Duas cargas explosivas já iniciaram a contagem regressiva, que pode ser atenuada (mas não interrompida) caso o governo atinja os votos para a Previdência: o teto de gastos e a regra de ouro das contas públicas.

O limite constitucional de despesas criado por Michel Temer como primeira medida na presidência cumpriu a função de dar um choque de confiança nos mercados. O dispositivo “estancou a sangria” financeira que havia se instalado no segundo governo Dilma Rousseff e, bem ou mal, ajudou a estabilizar a economia.

Mas o teto de gastos já nasceu com os mecanismos de sua própria destruição. Ao ser corrigido só pela inflação e incorporar a despesa toda da Previdência em vez de seu déficit, o dispositivo promete dizimar programas governamentais simplesmente para dar chances de o governo pagar sua crescente despesa obrigatória.

Fontes oficiais relatam que já no próximo ano o teto começa a ser dor de cabeça mais forte do que cumprir a meta de resultado primário. Apesar de reconhecerem o problema, interlocutores do governo ponderam que mexer no mecanismo pode ser fonte de turbulências graves no mercado, capazes de colocar o país em uma nova espiral recessiva e inflacionária, ainda mais se não houver Previdência.

Em texto recém-publicado no blog do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV), o ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda Manoel Pires destaca que o badalado estudo do Banco Mundial sobre o gasto público no Brasil reconheceu as dificuldades de implementação do limite mesmo com aprovação da Previdência.

“Os empecilhos são de curto prazo. O resultado, por enquanto, é a compressão de investimentos públicos e do funcionamento mínimo do Estado”, diz Pires. “Os defensores do teto poderão optar por duas argumentações. A primeira é reconhecer que se enganaram, algo louvável. A segunda é adotar a estratégia do leão da montanha, sair pela direita, e dizer que era importante fazer algo daquele tipo naquele momento”, completa.

A complicada regra de ouro das contas públicas, que grosso modo define que o governo só pode se endividar para investir, é outro problema que em 2019 precisará ser endereçado, goste ou não o presidente. Também inscrita na Constituição, há sérias dificuldades de cumpri-la já no ano que vem, por isso há pressão para o BNDES devolver mais R$ 130 bilhões ao Tesouro.

A questão é que não se pode pensar seriamente em forçar o banco estatal a continuar com esse nível de devolução nos anos seguintes, porque existe o comprometimento da carteira de crédito. Além disso, não é sábio contar com eventual lucro do BC. O assunto é tão crítico que interlocutores do governo mostram receio em falar do tema até reservadamente.

Se não resolver o problema, o próximo presidente estará flertando com crime de responsabilidade e o risco de mais um traumático processo de impeachment, a depender da configuração política.

Outros temas fiscais, de natureza infraconstitucional, também estarão complicando a vida de quem assumir o Palácio do Planalto. É o caso das regras de reajuste do salário mínimo e das bem remuneradas carreiras do funcionalismo público.

O diretor da Instituição Fiscal Independente (IFI), Felipe Salto, considera que o país em 2019 deverá estar com uma situação fiscal mais grave do que agora, mesmo que o déficit primário esteja menor. Ele lembra que a dívida bruta já estará na casa de 80% do PIB e com uma série de problemas orçamentários a serem resolvidos.

“O fiscal certamente será prioridade e a Previdência sozinha não vai resolver o problema”, disse à coluna, lembrando que provavelmente o governo terá que discutir alta na carga tributária, para melhorar sua arrecadação. Ele considera cedo para falar de mudança no teto de gastos, que dependeria da credibilidade do líder político, e lembra que o próximo governo pode optar por aceitar as sanções previstas, o que apertaria ainda mais os orçamentos seguintes.

Seja como for, é bom e necessário que os candidatos já apontem na campanha minimamente como pretendem resolver essa conjunção de problemas. A perda de mandato de Dilma mostra o estrago que o estelionato eleitoral, fruto da dissociação entre promessas no pleito e ações no governo, pode causar. E a situação fiscal realmente pode inviabilizar o trabalho do próximo presidente e parar o país. Está na hora de eleições no Brasil terem debate mais transparente sobre os problemas e possíveis soluções à esquerda, direita ou centro.

_________________________________________________________

Comemorado por governo e mercado financeiro, o resultado do Produto Interno Bruto (PIB) divulgado no início deste mês mostrou pelo segundo trimestre consecutivo uma contribuição negativa do setor externo, o que impediu um resultado final melhor.

Fontes da equipe econômica, contudo, não consideram isso um problema, mesmo diante do fato de que o “vazamento” ocorreu com a economia em fase inicial de aceleração e com elevado grau de ociosidade. E enxergam o movimento como início de tendência que deve se acentuar a partir do ano que vem, mantido o cenário de aceleração da atividade econômica.

Um interlocutor do governo afirma ser necessário observar se o impacto negativo do setor externo é causado por investimentos ou consumo. Essa fonte considera que, nesse ciclo de expansão, o primeiro fator será determinante. Outra fonte oficial lembra que o “vazamento” externo é estrutural no país e que a variável-chave para isso é a tendência histórica de câmbio valorizado. De qualquer forma, é bom ficar atento à velocidade desse indicador.