Por Marta Watanabe – Valor Econômico

As concessões fiscais do governo Michel Temer neste ano não devem afetar o cumprimento de metas de 2017, mas podem neutralizar ao menos parte dos efeitos positivos esperados sobre a arrecadação federal com a retomada da economia, principalmente a partir de 2018.

O cumprimento do déficit primário de R$ 159 bilhões no ano que vem não parece estar sob muito risco, mas a luz amarela se acende desde já para outros compromissos, sobretudo a regra de ouro e eventualmente o teto de 3% para o crescimento das despesas. Para esse quadro, que deve levar a uma revisão das regras fiscais em 2019 ou 2020, convergem analistas ouvidos pelo Valor, alguns com maior ou menor pessimismo.

“As negociações feitas, como o adiamento do leilão do aeroporto de Congonhas e os parcelamentos aprovados, minimizam o potencial efeito cíclico positivo sobre a arrecadação a partir de 2018”, diz um analista que não quis ser identificado. Questionado ontem por jornalistas, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, declarou que as concessões feitas não têm impacto algum sobre o Orçamento deste ano e o de 2018. Em um cálculo conservador, o Valor identificou R$ 25,3 bilhões em concessões (ver tabela) feitas pelo governo Temer para ajudar a barrar denúncias contra o presidente e ministros.

Guilherme Mercês, economista-chefe do Sistema Firjan, receia que as renúncias façam diferença. “As concessões para a barrar a denúncia contra o presidente Michel Temer impõem que o governo federal tome na sequência medidas mais duras para compensar esse afrouxamento e garantir um equilíbrio maior no médio e longo prazos.”

Para Mercês, é possível que a recuperação da economia traga uma “surpresa positiva” para a arrecadação e, por isso, o cumprimento do resultado primário não será um grande desafio em 2018. Com a volta do dinamismo econômico, diz, a arrecadação retornará a uma elasticidade-PIB maior que um.

O problema do ano que vem, avalia, será o cumprimento do crescimento da despesa pelo limite de 3%. “O teto vai cair em 2018”, diz o economista da Firjan. O limite, explica ele, é muito baixo. “A taxa de inflação deve ficar acima desse limite e pressionará ainda mais os gastos.”

Segundo ele, o corte pelas despesas discricionárias, recurso utilizado em 2016 e neste ano, estará esgotado e não será mais suficiente. Devem ser acionados, diz ele, os gatilhos previstos pela legislação para o descumprimento. O salário mínimo e o dos servidores públicos não poderão ser ajustados acima da taxa de inflação. O quadro, diz, levará à a necessidade de uma repactuação do setor público em 2019. Uma nova regra, factível e digna de credibilidade, precisará ser definida e as reformas estruturais deverão voltar à agenda.

O desafio de 2018, segundo Fabio Klein, economista da Tendências Consultoria, é que o cumprimento de uma regra pode dificultar o de outra. Para o economista, apesar de alguns riscos de receita no horizonte, no ano que vem a arrecadação, com crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) projetado de 2,8%, será mais favorável às contas. A dificuldade será conter em 3% o crescimento de despesas.

As despesas do regime geral da Previdência, lembra o economista da Tendências, representam quase metade dos gastos do governo federal e irão crescer acima da inflação. A própria taxa de inflação deverá ficar acima dos 3%. A União acabará por forçar o ajuste sobre outras contas não obrigatórias, como os investimentos.

O problema, diz Klein, é que o ajuste para cumprimento do teto pela rubrica de investimentos pode permitir o cumprimento do teto, mas traz um risco maior de ferir em 2018 a regra de ouro, pela qual a receita de emissão de títulos não pode ser superior às despesas de capital. “A combinação de despesas de investimentos em queda e déficit primário cada vez maior começa a tornar mais sensível a regra de ouro”, afirma Mercês.

Além de corte de investimentos, destaca ele, não há ainda certeza da continuidade da devolução de recursos pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em 2018. Somado a isso, há ainda, diz, o efeito do perdão das dívidas do Estado do Rio de Janeiro, lembra o economista, referindo-se ao plano de recuperação fiscal assinado entre a União e o governo fluminense.

“Já estão na conta do ano que vem o perdão para o Rio Grande do Sul e talvez para Minas Gerais”, afirma. Isso, explica Mercês, reduz as receitas de capital do governo federal e dificulta o cumprimento da regra de ouro. “O não cumprimento dessa regra pode ter efeitos mais sérios que não cumprir a meta de resultado primário, porque a regra de ouro é um mandamento constitucional e pode gerar crime de responsabilidade.”

Carolina Sato, economista da MCM Consultores, também destaca a incerteza dos recursos do BNDES e, entre as preocupações para 2018, a regra de ouro. O cumprimento do teto de gastos também será difícil, avalia. Talvez seja inviável, segundo ela, o corte de gastos discricionários no nível necessário para cumprir o limite.

Carolina lembra que o cenário do ano que vem ainda depende bastante da aprovação do pacote fiscal para 2018, que inclui o aumento da alíquota previdenciária do servidor público, a tributação sobre fundos de investimentos exclusivos e adiamento do reajuste salarial de algumas categorias de servidores.

Um atenuante destacado por alguns analistas é que o INPC, índice de inflação que indexa a variação do salário mínimo e outras despesas do governo federal, pode ficar abaixo de 3% em 2017, o que exercerá menor pressão sobre os gastos em 2018.

Para outro economista que também não quis se identificar, o risco maior de a União estourar o teto de gastos está em 2019, ano em que a regra de ouro terá ainda menos chances ainda de ser cumprida. Todos os gatilhos da lei do teto deverão ser acionados, diz ele, já sob o governo do presidente que será eleito em 2018.

“E é preciso lembrar que, com o adiamento do reajuste salarial dos servidores, uma das medidas do pacote fiscal para 2018, o aumento deve ficar para 2019. Também em 2019 o governo precisará definir a política para o salário mínimo. São muitos problemas para serem resolvidos”, afirma. “Não escaparemos cedo ou tarde, até 2020, de uma profunda revisão da institucionalidade fiscal do país.”

O acionamento dos gatilhos, diz o economista, dará uma chacoalhada na economia política. “É preciso lembrar que em 2019 a dívida pública estará acima de 80% do PIB e o déficit primário, entre 2% a 2,5% do PIB. É possível que haja um movimento para mudar a regra do teto de gatos.”

Quando tudo isso estourar, diz ele, é preciso que haja no comando do governo federal muito equilíbrio e maturidade para definição de um “novo arcabouço fiscal que funcione, com revisão da regra de ouro, da relação Tesouro Nacional/Banco Central e da regra de gastos”.

Uma das grandes preocupações, afirma o economista, é que a recuperação da economia diminua a percepção da necessidade de reformas. Para estabilizar a dívida pública, diz ele, é preciso que a economia cresça de 5% a 6%, algo que não deve acontecer. Há ainda o efeito das renúncias por concessões fiscais no decorrer deste ano, que não estão medidas.

“Concordo com as projeções de reversão cíclica da economia e acredito que vamos continuar com recuperação no ano que vem, mas o efeito na arrecadação depende muito do mercado de trabalho”, diz o especialista. Segundo ele, 60% das receitas tributárias federais dependem direta ou indiretamente do mercado de trabalho e a expectativa geral é que a reação do emprego demore mais.