Hoje, a CLT já prevê o resgate de 80% do FGTS em casos de demissão por acordo entre patrão e empregado

Julia Lindner e Renan Truffi, O Estado de S.Paulo

11 Abril 2018 | 14h17

A Comissão de Assuntos Sociais (CAS) do Senado aprovou ontem um projeto que altera a legislação para permitir que o trabalhador que pedir demissão tenha a possibilidade de sacar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Hoje, o trabalhador não pode movimentar a conta vinculada a ele no FGTS quando pede demissão, a não ser que haja acordo entre empregado e empregador, o que permite saque de até 80% do saldo.

O projeto foi apreciado em caráter terminativo e, caso não haja apresentação de recurso para análise do tema no plenário da Casa, seguirá diretamente para apreciação na Câmara dos Deputados. Depois, precisa passar ainda por sanção presidencial.

O Estado apurou, porém, que o governo deve trabalhar para que o projeto não siga adiante. O primeiro passo é apresentar requerimento para apreciá-lo no plenário do Senado, com o objetivo de derrotar a proposta e impedir que ela siga para a Câmara. Fontes do FGTS alegam que o impacto no fundo seria muito grande – embora não tenham fechado o cálculo – e implicaria na redução dos financiamentos de habitação, saneamento e infraestrutura com juros mais baixos graças aos recursos do Fundo. O governo também argumenta que o trabalhador que pede demissão não precisa ser protegido, assim como quem foi demitido – e que o objetivo da criação do FGTS foi exatamente para dar amparo aos demitidos.

Atualmente, a legislação permite a movimentação da conta vinculada em 18 situações distintas, como em caso de demissão sem justa causa e doença grave. A nova lei trabalhista, em vigor desde novembro, permite que o empregado fique com a metade da multa do FGTS – 20% dos 40% sobre o total depositado pelo empregador no fundo – e saque de 80% do saldo do fundo em caso de demissão em comum acordo com o patrão.

Para o relator da matéria na CAS, senador Paulo Paim (PT-RS), a proposta é um passo a mais rumo à “correção de uma distorção histórica” na legislação que trata do FGTS, que buscava restringir o acesso a esses recursos que são do trabalhador. “O projeto visa corrigir uma séria distorção, na medida em que estende também a vontade do trabalhador a possibilidade de acesso ao saque à conta do FGTS. Hoje, apenas por força da vontade do empregador, ou por situações, em geral, alheias à vontade do trabalhador, é possível o saque.”

Condições. Paim considera que muitas vezes o pedido de demissão por parte do trabalhador também pode ser motivado por situações adversas à sua vontade, resultando de más condições de trabalho, ou mesmo de posturas indevidas por parte do empregador:<IP> “A decisão do trabalhador de pedido de demissão não resulta assim, necessariamente, de uma opção por melhor posto de trabalho, podendo se dar em função de notório desconforto.”

Em nota, o presidente do Instituto Fundo Devido ao Trabalhador (IFDT), Mario Avelino, disse que a aprovação do projeto pode desencadear uma onda de pedidos de demissão e gerar instabilidade nas contas do Fundo: “Como a maioria dos trabalhadores está endividada, esse será um canal para que eles saquem o fundo para pagar cartão de crédito e saldar dívidas do cheque especial, por exemplo.”

Correção dos saldos. A 1.ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu ontem que a Taxa Referencial (TR) deve ser mantida como índice de correção dos saldos das contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). O entendimento deve orientar todos os tribunais do País que julgarem processos de pedidos para mudança na referência de atualização da poupança forçada que todo brasileiro é obrigado a fazer.

Segundo a Advocacia-Geral da União (AGU), que atuou nesse processo em conjunto com a Caixa e o Banco Central, se fosse adotado o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC) para atualizar os saldos desde 1999 o impacto seria de R$ 280 bilhões nas contas do FGTS. O fundo tem atualmente patrimônio líquido de R$ 98 bilhões, inferior ao impacto calculado pela AGU.

De acordo com a AGU, a mudança poderia obrigar a União a aumentar tributos para que o Tesouro Nacional conseguisse compensar a diferença – impondo a toda a sociedade o custo da adoção de uma nova forma de correção.

Além disso, alertou a AGU, o uso do INPC colocaria em risco um conjunto de políticas públicas, uma vez que recursos do FGTS são utilizados não só para proteger o trabalhador que perde o emprego, mas para financiar a aquisição de moradias (incluindo imóveis do Minha Casa, Minha Vida) e projetos de saneamento básico.

O órgão também afirmou que não cabe à Justiça mudar o índice de correção das contas do FGTS, mas sim ao Congresso Nacional. Em 2015, a Câmara – sob o comando de Eduardo Cunha – aprovou mudança na correção do FGTS de forma gradual até se igualar à da caderneta de poupança.

A correção atual é de 3% mais TR ao ano. O rendimento subiria ano a ano até chegar a 6,17% ou 70% da taxa básica de juros (Selic), quando esta for igual ou menor a 8,5%, mais TR ao ano.