Fabrício Lobel – Folha de São Paulo

23/01/2018  02h00

Após a gestão Geraldo Alckmin (PSDB) dar como encerrada a crise hídrica que castigou São Paulo entre 2014 e 2015, a situação das represas que abastem a região metropolitana, em especial as do sistema Cantareira, volta a ser motivo de atenção.

O maior manancial da Grande SP recebeu chuvas 20% abaixo da média nos últimos meses, está com 46,6% de sua capacidade (sem considerar a reserva do chamado volume morto) e já tem a retirada de água controlada por agências estaduais e federais.

O nível atual é classificado por órgãos reguladores como “estado de atenção” e se aproxima do “alerta” –que impõe mais restrições de retirada de água das represas e que é acionado quando há um patamar abaixo de 40%.

O Cantareira já teve suas represas, em 2011, com 96,4% da capacidade nesta época do ano –que é marcada pelas chuvas, quando se faz um “colchão” para a estiagem. No ano passado havia 55,2%.

O cenário atual, no entanto, ainda está distante do auge da crise, quando ficou abaixo de zero –sendo preciso retirar água do volume morto.

Oficialmente, a Sabesp (estatal paulista de abastecimento) diz não haver motivo para preocupação.

Diante do cenário atual, porém, a gestão Alckmin viu esquentar novamente a discussão pela divisão por água do Cantareira entre as regiões de São Paulo e Campinas.

CONSUMO

O Cantareira é um conjunto de represas que ficam ao norte da capital e que abastecem milhões de pessoas na cidade de São Paulo, principalmente nas zonas norte, leste, oeste e centro.

A luz amarela se acendeu após a lenta retomada do padrão de consumo de água e das chuva que, no último ano, têm vindo abaixo da média sobre as represas.

Antes da crise, a Grande SP consumia em média 71 mil litros de água por segundo. Com a piora da crise hídrica, esse patamar baixou para 50 mil litros. Depois da recuperação do nível das represas, do fim da política de descontos para quem economiza água e de restrições de acesso, ele já está em torno de 62 mil litros por segundo.

Mas a principal razão para preocupação está no fraco volume de chuvas no Cantareira nesta temporada úmida (entre outubro e março).

Desde outubro, as chuvas têm sido 20% pior do que a média dos últimos anos. Antes de outubro, os meses de tempo seco de 2017 tiveram desempenho semelhante, ficando abaixo da média.

O início da crise hídrica de 2014 se deu às vésperas de uma eleição. Naquela ocasião, Alckmin tentava se reeleger ao governo de São Paulo e foi criticado por especialistas pela demora em informar a população sobre a gravidade da escassez dos reservatórios.

Neste ano, Alckmin tenta se candidatar à Presidência da República pelo PSDB.

DISPUTA

O nível do Cantareira suscitou no início deste mês uma discussão entre integrantes do PCJ (comitê para recursos hídricos que representa prefeituras e entidades civis da região de Campinas) e a Sabesp.

A água do Cantareira é dividida para abastecer a Grande SP e a Grande Campinas.

O PCJ divulgou uma nota em que alertava a população sobre a possibilidade de uma nova crise hídrica no Estado.

O comitê citava preocupação diante do fenômeno climático La Niña, que pode deixar a região Sudeste mais seca, e alertava sobre a necessidade de investimentos em segurança hídrica em SP.

Após a declaração, ao ser questionada, a Sabesp disse que a área do PCJ poderia ter economizado mais água ao longo do ano passado.

Segundo a empresa, a quantidade de água solicitada pelo PCJ no período seco soma 92 bilhões de litros de água do Cantareira a mais do que a quantidade mínima autorizada. Ou seja, a Sabesp diz que parte do montante (que representa cerca de 10% do sistema) poderia ter sido usado com mais “parcimônia”.

O PCJ, em resposta à companhia, disse que nunca pediu além do autorizado pela regulação. O secretário executivo do comitê, Francisco Lahóz, amenizou, à Folha, um atrito entre as instituições.

“Nós não fomos alarmistas, estamos apenas alertando a população de que devemos estar preparados. Nós já fomos apanhados de surpresa uma vez, isso não pode ocorrer novamente”, argumenta.

A região de Campinas espera ainda a entrega de duas represas para que finalmente a área consiga represar a água de seus rios. Prometida desde 1992, a construção das represas de Pedreiras e Camanducaia foi assumida por Alckmin em 2015, ao custo de R$ 760 milhões. O governo diz que hoje as obras estão em estágio de licitação.

SEM PREOCUPAÇÃO

A Sabesp, companhia paulista de saneamento vinculada ao governo Geraldo Alckmin (PSDB), disse por meio de nota que neste momento não há razão para preocupação sobre o atual nível do sistema Cantareira.

A companhia disse também que a realização de obras pela Grande São Paulo, à época da última seca, deixaram o sistema de tratamento e de distribuição da água dentro da cidade muito mais eficiente e seguro, afastando o risco de crise.

Desde então, por exemplo, a empresa consegue com maior facilidade mudar a represa que irá abastecer certos bairros na capital.

No caso de parte da avenida Paulista, a empresa tem hoje a possibilidade de abastecê-la com o sistema Cantareira (que fica ao norte da cidade) ou com a Guarapiranga (na zona sul), dependendo do volume de água disponível em cada um deles.

A Sabesp comemora ainda que o índice de consumo de água da população da Grande São Paulo reduziu 15% em relação ao patamar padrão pré-crise.

NOVAS OBRAS

A Sabesp deve ainda inaugurar até março duas grandes obras que trarão mais água para São Paulo.

A primeira delas é a exploração de um novo manancial, na forma de uma PPP (Parceria Público-Privada), o São Lourenço. A ideia é captar água da região de Juquitiba e bombeá-la por 82 km até a porção oeste da região metropolitana, atendendo cerca de 2 milhões de pessoas. O empreendimento teve investimento de R$ 2,2 bilhões.

A outra obra é a interligação entre uma represa do rio Paraíba do Sul, na região de Igaratá (interior de SP), até o sistema Cantareira. O projeto permite que qualquer uma das represas possam receber ajuda da outra em tempos de estiagem.

Com o auxílio de bombas, a água é transferida por meio de adutoras e túneis por quase 20 km. A interligação custou R$ 555 milhões.