Por Ribamar Oliveira – Valor Econômico

O pagamento antecipado de R$ 180 bilhões pelo BNDES à União permitirá manter a dívida bruta do setor público abaixo de 82% do Produto Interno Bruto (PIB) nos próximos anos, de acordo com projeções feitas pelo Tesouro Nacional. Sem o pagamento, a dívida ficaria perto de 85% do PIB já em 2024. O governo estima que, em 2018, a dívida bruta será reduzida em 2,6 pontos percentuais do PIB por conta da quitação antecipada pelo BNDES.

Além disso, o pagamento antecipado diminuirá em R$ 33 bilhões a despesa do Tesouro com os subsídios implícitos nas operações com o banco estatal, de acordo com as mesmas projeções. O subsídio implícito é dado pela diferença entre o custo de captação do Tesouro no mercado (representado pelos títulos públicos que foram concedidos ao BNDES) e os juros que o banco estatal pagará pelos empréstimos.

Há um terceiro aspecto a ser considerado. O governo vai precisar, segundo estimativa do Ministério da Fazenda, de R$ 184,3 bilhões para cumprir a chamada “regra de ouro” das finanças públicas em 2018. Essa regra estabelece que as operações de crédito não podem superar o montante das despesas de capital (investimentos, inversões financeiras e amortizações da dívida).

Se não cumprir a regra, o presidente da República pode sofrer processo de impeachment por crime de responsabilidade. Sem os R$ 180 bilhões do BNDES, é muito difícil que o governo consiga cumprir a “regra de ouro” no próximo ano.

Todos os números aqui apresentados constam de palestra feita pelo chefe da Assessoria Especial do Ministério da Fazenda, Marcos Mendes, na Fundação Getúlio Vargas (FGV), em São Paulo, na semana passada. Mendes falou sobre as perspectivas de médio e longo prazo da política fiscal. A apresentação abordou, entre outras coisas, três aspectos relevantes da devolução de recursos do BNDES ao Tesouro.

A trajetória da dívida pública é muito sensível aos cenários de juros reais e de crescimento da economia. As projeções do Tesouro para a dívida ao longo dos próximos anos, com e sem devolução dos recursos pelo BNDES (veja tabela abaixo), foram feitas com parâmetros econômicos bastante conservadores.

O Tesouro utilizou, por exemplo, um crescimento da economia de apenas 0,45% para este ano, 2% em 2018, 2,55% em 2019 e 2,6% para os demais anos até 2026. Essas estimativas estão abaixo das do mercado, captadas pelo boletim Focus, editado pelo Banco Central. Está se fortalecendo no mercado a expectativa de expansão econômica em torno de 2,5% no próximo ano, com algumas instituições financeiras já falando em 3%. Para 2017, o próprio Banco Central aumentou sua projeção de crescimento de 0,5% para 0,7%.

As projeções do Tesouro utilizaram também parâmetro conservador para a trajetória dos juros. A Selic (taxa de juros básica da economia, definida pelo BC) média foi estimada em 10,18% neste ano, em 8,04% em 2018, 8% em 2019, 8,22% em 2020 e em 8,5% de 2021 até 2026. O mercado trabalha, segundo o boletim Focus, com 9,84% para este ano e 7% para 2018.

Está se consolidando no mercado um entendimento de que a taxa de juros ficará baixa por um bom tempo, principalmente se a reforma da Previdência for aprovada pelo Congresso. Assim, a trajetória para a dívida bruta, com a devolução dos recursos pelo BNDES, pode ser ainda melhor do que mostram as projeções do Tesouro.

Despesa do Tesouro com subsídios cairá R$ 33 bilhões É importante observar que a devolução de recursos do BNDES ao Tesouro não tem impacto sobre o resultado primário, ou seja, não vai ajudar o governo a alcançar a meta fiscal. Mas ajudará, e muito, a cumprir a “regra de ouro”, que é um preceito constitucional.

Nos últimos anos, o governo cumpriu a “regra de ouro” com o uso do resultado positivo do Banco Central repassado ao Tesouro (isso foi fundamental em 2015, por exemplo), com a remuneração da conta única do Tesouro, com os pagamentos que os Estados e municípios fazem de suas dívidas refinanciadas pela União e com os pagamentos que o BNDES faz de sua dívida com o Tesouro.

O problema é que, nos últimos anos, o governo vem apresentando elevados e continuados déficits primários em suas contas. A própria equipe econômica prevê que não haverá superávit primário antes de 2021. Os déficits são cobertos pela emissão de títulos públicos. O mais grave é que o crescimento das despesas obrigatórias vem reduzindo os investimentos e as inversões financeiras, como observou Mendes em sua palestra.

Outro fator que dificulta cumprir a “regra de ouro” é que, com a atual trajetória de valorização cambial, o Banco Central não está registrando resultado positivo. Há lucro para o BC quando o câmbio se desvaloriza e prejuízo quando ele se valoriza.

Como a taxa Selic está caindo, diminuem as disponibilidades de remuneração da conta única do Tesouro. Para piorar, o recente refinanciamento das dívidas dos Estados realizado pela União, diminuiu o fluxo de pagamentos feitos por eles ao Tesouro.

Assim, restou, para ajudar o governo a cumprir a “regra de ouro”, os pagamentos antecipados do BNDES. Para diminuir essa dependência, o governo teria que promover uma forte redução do déficit primário. Mas dificilmente isso será feito em ano eleitoral.