Rosana Hessel , Anna Russi – Correio Braziliense

Investimentos na área, que deveriam aumentar, estão em queda devido às despesas com os salários e com a Previdência. Em 70% dos municípios, remoção não passa de 30% dos dejetos produzidos. Em grande parte do país, não há sequer coleta

Enquanto o governo vem colecionando deficits fiscais crescentes nas contas públicas para acomodar as despesas obrigatórias que crescem em ritmo acima da inflação, incluindo gasto com pessoal e com a Previdência, os investimentos caem vertiginosamente. Uma das maiores vítimas é o saneamento, fundamental para a qualidade de vida nas cidades e para a saúde dos brasileiros.

A população urbana deverá passar dos atuais 168,4 milhões para 204,8 milhões de pessoas em 2035. Estudo feito pela Agência Nacional de Águas (ANA) e divulgado ontem, o Atlas Esgotos, revela que o país precisará investir nada menos que R$ 149,5 bilhões em coleta e tratamento nesse período.

De acordo com o Atlas da ANA, esse montante é o necessário para universalizar os serviços de esgotamento sanitário nas 5.570 cidades brasileiras até 2035. De acordo com dados do Ministério das Cidades, os investimentos na área do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) foram de R$ 510 milhões em 2016 e, no acumulado deste ano até junho, atingiram apenas R$ 87 milhões, volume 83% menor ao realizado em todo o ano passado.

A tendência é que, em 2018, o investimento continue baixo, pois o Orçamento prevê apenas R$ 1,9 bilhão para o PAC. Segundo a pasta, a previsão orçamentária para obras de saneamento básico no próximo ano soma R$ 860 milhões, valor abaixo do empenhado para este ano pelo Ministério do Planejamento, de R$ 901 milhões. A expectativa do órgão é de que esse valor seja revisto com a mudança da meta fiscal. Atualmente, 86 projetos estão parados e outros 57 sequer foram iniciados.

Um dos coordenadores do Atlas, Sérgio Rodrigues Ayrimoraes Soares, superintendente de Planejamento de Recursos Hídricos da ANA, destaca que o diagnóstico feito pela agência reflete a queda dos investimentos em saneamento no país nos últimos anos. O estudo mapeia o investimento necessário em cada município e faz recomendações para ações conjuntas em que haja compartilhamento dos recursos hídricos.

O Atlas revela que 70% dos 5.570 municípios brasileiros têm remoção de, no máximo, 30% do esgoto gerado e em apenas 31 das 100 cidades mais populosas isso fica acima de 60%. Existem 816 municípios com 10,7 milhões de pessoas sem qualquer serviço de coleta e de tratamento.

Para Soares, o Altas poderá ser uma ferramenta para o desenvolvimento de políticas públicas dos governantes atuais e dos próximos. Especialistas ouvidos são unânimes em reconhecer a importância do tratamento de esgoto nas cidades porque, quando os dejetos são despejados diretamente nos rios, se gasta muito mais com tratamento para que a água se torne potável novamente.

Saneamento é questão de saúde, alerta o infectologista e consultor da Sociedade Brasileira de Infectologia (SBI) do Distrito Federal, Julival Ribeiro. “O problema do saneamento basico no Brasil é cronico”, afirma. Não à toa, o especialista ressalta que várias pesquisas mostram que, nas cidades com baixo índice de coleta e de tratamento de esgoto, há maior incidência de doenças como febre tifoide, cólera, hepatite A, leptospirose, diarreia infecciosa, parasitoses, entre outras. “Ainda há muitas mortes no mundo por falta de água potável”, destaca. A capacidade de reservatórios também fica comprometida com a falta de saneamento. Esse quadro pode se agravar em períodos de estiagem longa, como a que ocorre atualmente em Brasília.

DF se destaca

De acordo com Soares, da ANA, o Distrito Federal se sobressai em relação aos demais entes federativos quando o assunto é tratamento de esgoto. A média da população brasileira atendida pela coleta no país é de 61% e de tratamento, 41%. Já o DF tem o nível mais elevado nacionalmente, tratando 100% do esgoto coletado. Na avaliação do técnico, os problemas do DF são mais pontuais e podem ser contornados com facilidade, mas é preciso, desde agora, ter uma estratégia. O Atlas sugere R$ 1,7 bilhão de investimentos na coleta e tratamento de esgoto pelo DF até 2035.

O biólogo Victor Fernandes, 25 anos, avalia que, apesar de na maior parte da região o controle sanitário, por parte dos cidadãos, ser efetiva, com fossas limpas regularmente, na Vila São José é comum encontrar casas e comércios onde o esgoto é despejado a céu aberto. Para ele, falta cuidado com a preservação ambiental. “É preciso estabelecer as condições mínimas de vida para os moradores da periferia”, completa.

O presidente da Caesb, Maurício Luduvice, reconhece a importância de investir em saneamento para garantir o abastecimento da região. Ele conta que a empresa tem ampliado os investimentos em tratamento de esgoto nas regiões do DF, assim como na região de Corumbá IV, onde a operação tende a ser, cada vez mais, em parceria com a Saneago. “A cooperação entre as duas empresas é uma realidade. Temos convênio e retomamos as obras para a interligação ao sistema de abastecimento de Brasília”, afirma.

Para o presidente da Saneago, Jalles Fontoura, a hora de avançar, rapidamente, na obra de Corumbá IV, é agora. “As bombas, que são próprias para aquele local, estão praticamente prontas. O grande desafio é fazer a rede de alta tensão. São os principais pontos da obra”, afirma. Segundo ele, a expectativa é de que, em 15 meses, a obra esteja 100% completa. Fontoura conta que o compromisso é, principalmente, com Brasília, para evitar a crise hídrica e tentar evitar o racionamento no ano que vem. “Temos que terminar a obra a tempo para escapar desses efeitos que a seca traz, e, para isso, estamos trabalhando intensamente.”

De acordo com Luduvice, a Caesb retomou os investimentos desde 2015 e, somente neste ano, aplicou R$ 150 milhões no abastecimento de água e em novas estações de tratamento de esgoto, como a recém-inaugurada em Águas Lindas, na região do Entorno, onde foram gastos mais de R$ 100 milhões. “O investimento em saneamento não melhora apenas a saúde, mas também a qualidade de vida e a autoestima da população. Ninguém gosta de morar em um lugar com esgoto a céu aberto”, explica.

A estudante de biologia Thaís Ferreira Damasceno, 20 anos, moradora de Sobradinho II, afirma que o serviço de saneamento ainda é precário na chácara Buriti, onde a instalação do esgoto começou há cerca de um ano. Ela conta que a taxa já é cobrada na conta de água, embora o sistema não esteja liberado para uso.

Outras áreas da cidade têm o esgoto em funcionamento normal, mas, segundo ela, na quadra AR 8, o cano de esgoto estoura com frequência, e jorra dejetos pela rua durante uma semana até ser consertado. “Quando esse problema ocorre, a rua fica com mau cheiro. Há crianças brincando por ali. Na região onde o esgoto ainda não foi instalado, usamos fossa, então, raramente tem cheiro ruim”, completa.