Por Raphael Di Cunto e Marcelo Ribeiro – Valor Econômico

15/08/2019 – 05:00

A Câmara dos Deputados aprovou ontem a liberação do trabalho aos domingos e feriados sem remuneração extra, desde que seja concedida uma folga em outro dia da semana, e com isso concluiu a votação da Medida Provisória (MP) 881, batizada pelo governo Bolsonaro como a da “Liberdade Econômica”. O texto será encaminhado ao Senado Federal.

A liberação para trabalho aos domingos foi o grande embate entre oposição e governo. A legislação hoje permite isso por meio de convenção coletiva ou ato do governo federal, para motivos de “conveniência pública ou necessidade imperiosa do serviço”. Com a mudança, as empresas poderão exigir que qualquer funcionário trabalhe aos domingos. A cada quatro domingos trabalhados, o funcionário terá, obrigatoriamente, uma folga no domingo seguinte.

“Essa medida provisória vai tirar o direito ao adicional por trabalho aos domingos que já está combinado em convenção coletiva. Quem está tirando esse direito é a Câmara dos Deputados”, pressionou o líder do PDT, André Figueiredo, que defendeu a supressão desse disposto. Só a oposição apoiou as emendas, rejeitadas pela maioria da Câmara.

O deputado Ênio Verri (PT-PR) afirmou que isso acabará com o domingo como o dia de reunião da família sem consequências para a economia. “Fui diretor de empresa varejista e sei que o que aumenta as vendas não é o horário de funcionamento, é dinheiro na mão das pessoas. Se a economia não se recuperar, pode ficar aberto 24 horas por dia que não vai vender mais.”

O deputado Chiquinho Brazão (Avante-RJ) disse que a esquerda está “fora de sintonia com a realidade”. “Bota um anúncio no jornal para trabalhar de domingo a domingo e vai ter filas ao redor do quarteirão de tantos interessados”, afirmou. O governo alega que a liberação criará 3 milhões de empregos em dez anos. A medida visa o comércio, principalmente, mas também interessa a setores como a construção civil e outros da área de serviços.

O secretário especial de Previdência e Trabalho, Rogério Marinho (PSDB), participou ativamente das negociações na Câmara e defendeu que a Constituição Federal previa, desde 1988, que a folga seria “preferencialmente” aos domingos, mas que a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) travou isso. “Não estamos inventando a roda. Era uma prática que já existia, estamos colocando na lei”, afirmou, citando shoppings centers.

Outro ponto que causou conflito no plenário é a autorização para que as empresas firmem acordos coletivos ou individualmente com o funcionário para o controle da jornada de trabalho “por exceção”. Nesses casos, o trabalhador só registrará horas extras ou atrasos. Do contrário, entende-se que ele cumpriu sua jornada regular. Para a oposição e o Ministério Público do Trabalho, as empresas pressionarão o funcionário a fazer jornadas maiores sem registro. Os partidos favoráveis alegam que isso tornará menos burocrático o ponto.

Com a oposição focada na parte trabalhista, o resto do projeto passou com facilidade e não houve contestações a liberar as atividades de “baixo risco” da exigência de alvarás para funcionamento, principal ponto da MP original, ou a criação de uma empresa limitada unipessoal, que não exigirá mais sócios para alguém abrir seu empreendimento (há, hoje, outras modalidades de empresas de um único dono, mas são consideradas burocráticas).

Para o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, o projeto criará o licenciamento ambiental automático por decurso de prazo. O texto define que os órgãos públicos terão que informar um prazo para decidirem sobre pedidos de atos públicos para funcionamento de empresas ou realização de obras. Se o prazo acabar e não houver resposta, haverá o aval imediato.

Para Agostinho, isso é um risco porque um dos grandes entraves para o licenciamento ambiental é, justamente, a falta de funcionários para analisar os pedidos. “São 20 mil processos de licenciamento que estão na Funai sendo analisados por somente 18 técnicos espalhados pelo país”, destacou. Esse aval automático valerá para todos os atos públicos decorrentes de leis federais ou se os Estados e municípios incorporarem a legislação.

Outra medida que passou sem grande contestação é o aperfeiçoamento da legislação sobre a desconsideração de personalidade jurídica, instrumento em que o juiz determina o uso do patrimônio pessoal do empresário ou de outras empresas do grupo para pagar dívidas da empresa devedora. A MP determina que isso só será permitido se houver fraude para esconder o patrimônio da empresa para evitar os pagamentos.

A maioria das emendas para alterar a MP foi derrubada rapidamente ou retirada num acordo entre o governo e os partidos do Centrão. Além disso, ajudou a aprovação o enxugamento no relatório do deputado Jerônimo Goergen (PP-RS), que ampliou a MP com mudanças na legislação trabalhista, empresarial, de fundos de investimento e até ambiental. Ele teve que recuar. “Havia risco de alegarem a inconstitucionalidade”, explicou.

Goergen afirmou que o governo prometeu encaminhar parte do que foi excluído, como as mudanças trabalhistas, por projeto de lei. Marinho disse que as propostas serão aproveitadas, mas ainda não se decidiu como. Entre os pontos excluídos estão a aplicação do direito civil para contratos de trabalho de funcionários com salário acima de R$ 30 mil e a criação de um tribunal administrativo para recursos das autuações de fiscais do trabalho.