Por Edna Simão – Valor Econômico

A Caixa Econômica Federal tem um estoque de R$ 43,7 bilhões em empréstimos feitos para Estados e municípios sem o aval da União e que poderão demandar uma alocação maior de capital do banco para que atenda às exigências de capital previstas no acordo de Basileia 3.

O Banco Central (BC) está revisando a norma que trata desse tipo de empréstimo e a tendência, conforme já dito pelo ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, é que seja exigido capital adicional para este tipo de operação. Essa possibilidade poderá deteriorar ainda mais a situação da Caixa, que tem adotado várias medidas para reforçar o capital. O tamanho do impacto vai depender dos ajustes do BC serem retroativos ou não. O Tesouro Nacional, por exemplo, vai abrir mão de 100% de dividendos do banco para que a instituição consiga se enquadrar às exigências de capital.

Os empréstimos sem aval da União para Estados e municípios foram suspensos pelo banco, por recomendação do conselho de administração da Caixa, devido à dúvida jurídica sobre a aceitação do uso das garantias como receitas futuras dos governos estaduais e prefeituras provenientes de impostos ou ainda do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM). Com o uso dessas garantias, o banco reduz a alocação de capital que seria exigida para operações como estas.

Na avaliação de um técnico do Tesouro, essa garantia é frágil. O presidente da Caixa, Gilberto Occhi, tem dito que esse tipo de operação é feita pelo banco há mais de 30 anos e não há problemas de inadimplência. Na avaliação dele, a legislação do FGTS permite uso dessas garantias. Segundo informações da Caixa, a adimplência da carteira de crédito com Estados e municípios é de 99,9%.

Nesta quinta-feira (08), a diretoria do BC se reúne e a expectativa é de que se posicione sobre a norma que trata de alocação de capital para esse tipo de operação. Na semana passada, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, afirmou que o BC soltaria nos próximos dias uma revisão do normativo para prever a alocação de capital para esse tipo de empréstimo. Somente depois do posicionamento do BC e ajustes da Caixa, esses empréstimos serão retomados.

Segundo fontes ouvidas pelo Valor, a expectativa é que o BC reafirme que deve ser alocado capital para operações de crédito conforme especificado na resolução do Conselho Monetário Nacional (CMN) nº 2.682, de 1999, que dispõe sobre critérios de classificação das operações de crédito e regras para constituição de provisão para créditos de liquidação duvidosa.

A Caixa, conforme explicou um técnico do governo, estaria se utilizando da circular do BC de nº 3.809, de agosto de 2016, para mitigar o risco dos empréstimos concedidos aos Estados e municípios sem o aval do Tesouro, o que possivelmente não será mais permitido. No total, segundo informações da Caixa, o estoque da carteira de crédito da instituição financeira com Estados e municípios é de R$ 63,7 bilhões, porém R$ 20 bilhões contam com a garantia da União.

O Banco do Brasil (BB), por exemplo, não precisaria fazer ajuste de capital nesse tipo de operação, caso seja feita alguma alteração na regra pelo BC, pois não aceita crédito tributário ou de fundo de participações como garantia para mitigar o risco dessas operações e, consequentemente, reduzir a alocação de capital.

Segundo dados do BB, o estoque de operações de créditos com Estados e municípios era de R$ 37,704 bilhões em setembro de 2016 e passou para R$ 37,034 bilhões no mesmo mês de 2017. As operações com aval da União somavam R$ 33,4 bilhões.

“Todos os empréstimos concedidos pelo BB a governos de Estados possuem aval do Tesouro Nacional ou garantias com níveis de liquidez e de segurança semelhantes, como recebíveis ou aplicações financeiras mantidas em custódia no banco”, destacou a instituição. Procurados, Banco Central e Caixa Econômica Federal preferiram não se posicionar sobre a matéria.

Enquanto isso, na terça-feira, o Ministério Público de Contas do Tribunal de Contas da União (TCU) solicitou ao tribunal a abertura de uma investigação para analisar os empréstimos feitos pela Caixa para Estados e municípios e que tiveram com garantia o uso de receitas tributárias e de fundos de participações.

“A área técnica do TCU considera que é preciso abrir o mais rápido possível uma auditoria para apurar as operações da Caixa, agravadas com a descoberta dos empréstimos com garantias irregulares. Mas a investigação depende de autorização oficial dos ministros do Tribunal ou de uma representação do Ministério Público (MP)”, informou a representação assinada pelo procurador Júlio Marcelo de Oliveira.

“A concessão de empréstimos a Estados e municípios por bancos públicos federais sem aval da União é, no mínimo, incoerente com uma política de incentivo à responsabilidade fiscal e apresenta características de temeridade quando se aceitam garantias vedadas pela Constituição e que, portanto, não podem ser executadas”, destacou ainda Júlio Marcelo no documento.