Por Alex Ribeiro – Valor Econômico

Por ora, eventual abertura de capital da Caixa não está entre as opções

A Caixa Econômica Federal quer repactuar a relação com o seu único acionista, o Tesouro, para garantir capital para lastrear a atuação em políticas públicas, invertendo a prática dos governos Lula e Dilma, que enfraqueceu o índice de Basileia do banco com a distribuição de generosos dividendos e políticas de crédito anticíclicas.

A partir de agora, para executar projetos do governo, o banco pede não apenas “funding” para emprestar, mas a garantia de uma estrutura de capital. Entre as medidas no radar da Caixa, estão corte de custos administrativos, venda no mercado de uma carteira de infraestrutura de R$ 5 bilhões, uma possível captação externa e a reestruturação da área de seguridade.

O governo, por sua vez, procura alternativas – a mais adiantada é uma operação de R$ 10 bilhões com o FGTS, antecipada pelo Valor, que ampliaria em R$ 200 bilhões a margem da Caixa no crédito imobiliário -, mas também quer redefinir o papel do banco, tornando-o menor e focado em operações como crédito imobiliário à baixa renda.

A Caixa defende a atuação mais ampla, incluindo crédito rural e a grandes corporações, buscando nichos rentáveis para compensar as margens apertadas de políticas públicas. O diagnóstico é que o banco federal, que hoje tem R$ 711 bilhões em operações de crédito, ficaria insustentável se sua carteira caísse abaixo de R$ 670 bilhões.

“Não vamos infringir as regras de Basileia 3”, afirma um executivo do banco. “E, para não infringir, vamos ter que parar com o crédito, se não houver uma solução para o capital.” O FGTS destinou R$ 85,517 bilhões para a Caixa emprestar em 2018, o que exigiria cerca de R$ 5 bilhões em capital para lastrear essas operações dentro das regras prudenciais de Basileia 3. Não há restrições de capital para o orçamento da habitação de 2017.

Mais do que uma ameaça, a possibilidade de parar o crédito é vista como um imperativo legal. “Ninguém colocaria o CPF numa expansão de crédito dessa forma”, diz o executivo, referindo-se ao risco legal que dirigentes correm ao descumprir as regras prudenciais do sistema bancário. Por isso, na opinião desse executivo, mais que o banco, quem tem um problema de capital a resolver é o governo.

O ponto de partida nas discussões é que, de 2007 a 2014, a Caixa distribuiu R$ 29,4 bilhões em dividendos ao Tesouro (em média, 73% dos lucros), quando bancos no mundo todo contiveram a distribuição de resultados para cumprir as regras de Basileia 3. O Tesouro, por sua vez, colocou na Caixa R$ 13 bilhões em capital e mais R$ 17 bilhões em instrumentos híbridos de capital e dívida por meio de emissão de títulos. “Pagamos juros nessa operação”, afirma o executivo. A Caixa também recebeu ações da Petrobras e Eletrobras, que se desvalorizaram com a crise.

Em junho, a Caixa tinha um índice de capital nível 1 equivalente a 9% dos ativos ponderados pelo risco. Os mecanismos prudenciais do banco exigem que o capital seja pelo menos 1,5 ponto percentual acima do mínimo de Basileia 3, que exigirá um índice de 9,5% para a Caixa em 1º de janeiro de 2019. Portanto, a Caixa trabalha para ter índice de 11% de capital nível 1.

O índice de Basileia é uma razão entre o capital do banco e seu volume de ativos – sobretudo o crédito – ponderado pelo risco a que a instituição está exposta nas operações. Para melhorar seu índice de Basileia, o banco pode aumentar o volume de capital, reduzir os ativos ou mitigar os riscos.

A avaliação da Caixa é que, com um ajuste drástico, seria capaz de cumprir a regra de Basileia sem capital do Tesouro e FGTS, mas teria que conter o crédito. A primeira medida acertada com o Tesouro foi reduzir os dividendos ao mínimo legal, de 25% dos lucros. Nas conversas com o Banco Central, o corte a zero dos dividendos é visto apenas como uma medida extrema, na hipótese do cumprimento de Basileia 3 estar ameaçado. “Trabalhamos diuturnamente para pagar os dividendos”, diz o executivo. “Cortar os dividendos seria uma medida extrema, e antes disso já teríamos parado com o crédito.”

No mês que vem, a Caixa deverá concluir duas operações para reduzir ativos. Uma delas é a venda de uma carteira de crédito de infraestrutura de até R$ 5 bilhões. “Já conversamos com alguns bancos de investimento e há interesse”, conta. O banco negocia ainda a venda a um fundo de imóveis retomados, conforme antecipou o Valor. O volume estimado da operação é de R$ 1,6 bilhão, acima do R$ 1 bilhão inicialmente cogitado.

Grandes empresas também estão quitando dívidas com a Caixa, num total de R$ 10 bilhões. Só a Petrobras pagou R$ 3 bilhões, e a JBS, outros R$ 5 bilhões. Não houve restrição de crédito, mas sim uma decisão dos clientes. “As empresas tinham dinheiro e achavam que valia a pena liquidar as dívidas”, diz o executivo. A Caixa chegou a discutir a transferência de uma carteira de crédito de R$ 10 bilhões ao BNDES, mas desistiu porque “o negócio não evoluiu como o esperado”. A ideia era a Caixa transferir uma carteira formada por repasses de recursos do banco de fomento, liberando R$ 1 bilhão em capital.

O banco fez ainda um “roadshow” para avaliar eventual demanda por uma captação de até US$ 1 bilhão no exterior, autorizada pelo seu conselho de administração. “O interesse é grande”, diz o executivo. Mas o custo é alto, e o banco procura alternativas menos onerosas. Cogita fazer uma captação menor, ao redor de US$ 500 milhões, para ter uma presença no exterior e um selo de qualidade.

Outra forma de fortalecer o capital é reestruturar a área de seguridade. Um acordo fechado com a CNP Assurances vai gerar um ágio pela prorrogação por 20 anos, a partir de 2018, do acesso ao balcão da Caixa nos ramos de vida, prestamista e previdência. O banco deve levantar ainda “alguns bilhões” em processo competitivo para selecionar sócios nas áreas de seguro habitacional, auto, riscos patrimoniais e diversos, além de consórcios.

Por ora, uma eventual abertura de capital da Caixa não está entre as opções. O conselho de administração avalia uma mudança no estatuto que transformará a instituição em uma sociedade anônima – um primeiro passo para uma eventual abertura de capital -, mas problemas jurídicos fizeram com que o assunto fosse duas vezes retirado de pauta. O decreto-lei nº 759 especifica que a Caixa é uma empresa pública e, para virar uma S/A, precisaria mudar essa regra.

Há quem defenda um banco mais enxuto, mas o executivo diz que isso poderia desequilibrar os negócios. Com uma carteira de R$ 711 bilhões, a Caixa é líder no mercado de crédito. Mas, desse total, R$ 420 bilhões são financiamentos habitacionais, dos quais R$ 220 bilhões do FGTS. “Se tirar a habitação do FGTS, a Caixa fica do tamanho do Santander “, diz. O rendimento mais alto das operações comerciais, argumenta, compensa o retorno mais baixo em habitação, remunerando o capital e permitindo a perpetuação do negócio sem aportes do acionista.

O executivo da Caixa defende a permanência em vários nichos de atuação recente. É o caso do crédito rural, cuja aplicação é a única forma de escapar do compulsório punitivo ao BC de quem não faz aplicações com depósitos à vista. Os empréstimos a grandes empresas, diz a fonte, trazem outros negócios rentáveis para o banco.

A Caixa também quer continuar a financiar habitação com recursos da caderneta porque cria um relacionamento com clientes de classe média. Mas está reduzindo operações de antecipação de contrato de câmbio (ACC). Embora seja um nicho rentável, seu fator de ponderação de risco é alto, consumindo volumes maiores de capital.

A instituição avalia que precisa crescer em seguridade, cuja participação de mercado aumentou de 5,6% para 8,1% neste ano, segundo o executivo. Para ele, é “inaceitável” a Caixa ter 23% do mercado de crédito, mas apenas 5% do mercado de seguridade. “É uma questão cultural achar que a Caixa é uma empresa pública”, afirma. “A Caixa é um banco, tem que ter eficiência e dar lucro.”