Por Chiara Quintão e Edna Simão – Valor Econômico

O Ministério das Cidades está prestes a liberar o remanejamento de recursos do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) pela Caixa Econômica Federal entre Estados. A expectativa é que a autorização seja publicada por meio de instrução normativa no Diário Oficial da União (DOU) nesta segundafeira ou, no mais tardar, nos próximos dias. A medida deve possibilitar também o destravamento de R$ 6 bilhões do FGTS para a Caixa destinar ao crédito imobiliário, segundo o Valor apurou.

A Caixa já tem os R$ 6 bilhões do FGTS, que estavam previstos para o último trimestre, mas só pode utilizar até R$ 2 bilhões por mês. Com a liberação, a totalidade passará a estar disponível em outubro. Há ainda um limite de recursos por Estados, sem possibilidade de remanejamento, o que passará a ser permitido.

Parte dos R$ 2 bilhões deste mês já foi gasta, mas há R$ 1 bilhão restante do trimestre passado, o que faz com que o total a ser destravado pela normativa seja de cerca de R$ 6 bilhões, segundo fonte a par do assunto. Há também, de acordo com a fonte, sobras de recursos do orçamento anual do Ministério das Cidades superiores a R$ 10 bilhões, que poderão vir a se liberadas para a Caixa ainda neste ano.

No mês de outubro, os recursos do FGTS a serem destinados pela Caixa ao Estado de São Paulo se esgotaram na primeira semana, o que tornou inviável o repasse da maior parte dos recebíveis dos clientes das incorporadoras para o banco. Na sequência, acabaram também os recursos para o Rio de Janeiro. O Valor apurou que faltou dinheiro também em mercados como Belo Horizonte e Manaus.

De acordo com outra fonte, incorporadoras focadas no programa habitacional Minha Casa, Minha Vida praticamente não conseguiram fechar novos repasses dos recebíveis dos clientes para a Caixa em outubro. O problema foi acentuado nos últimos 15 dias. Já a liberação de recursos pela Caixa referentes a repasses que tinham sido contratados anteriormente continuou a ocorrer.

As incorporadoras com foco na baixa renda têm adotado um modelo em que a venda é contabilizada apenas no momento em que o cliente obtém o financiamento pela Caixa. De acordo com uma fonte, as restrições do banco público ainda não afetaram a comercialização de unidades pelas incorporadoras que atuam no programa habitacional, mas há preocupação com vendas futuras.

Na sexta-feira, a Caixa começou a destravar o processo de financiamento imobiliário em várias cidades do Estado de São Paulo. Até quinta-feira, processos incluídos por correspondentes bancários da Caixa no sistema da instituição não avançavam além da Companhia Estadual de Habitação e Obras Públicas (Cehop). Isso porque o sistema indicava que não havia dotação orçamentária. Na sexta, correspondentes bancários puderam dar prosseguimento aos processos, segundo a fonte.

De acordo com outra fonte, essas liberações resultaram de recursos que eram destinados, inicialmente, ao financiamento à produção, mas que acabaram não saindo. Neste mês, o banco público tornou-se mais rigoroso com a documentação exigida das incorporadoras para concessão de crédito.

Segundo técnico do governo, os recursos a serem liberados para a Caixa pela normativa serão retirados, por exemplo, do Programa Associativo, que não teve contratação neste ano. A ideia é destiná-los para a linha de apoio à construção civil.

A avaliação, no entanto, é que o remanejamento dos recursos não deve provocar uma aceleração de financiamentos imobiliários pela Caixa. O que impede o banco público de emprestar é a preocupação com o cumprimento das regras prudenciais de capital definidas pelo Acordo de Basileia 3. Ou seja, o problema de necessidade de aumento de capital continua.

Para ajudar a Caixa a cumprir as exigências de capital de Basileia 3 a partir do próximo ano, o governo pode autorizar o banco a emitir R$ 10 bilhões em “bônus perpétuos”, título de crédito sem vencimento que frequentemente paga taxas de juros mais altas, junto ao FGTS.

“Em função de Basileia 3, a Caixa não pode emprestar recursos e joga a culpa no remanejamento”, afirma uma fonte. Somente na última quinta-feira, a Caixa fez a solicitação do remanejamento de recursos do FGTS ao Ministério das Cidades, de acordo com o interlocutor. A motivação teria sido pressão decorrente da realização do Feirão Morar Bem, Viver Melhor, em São Paulo, no fim de semana.

O governo queria colocar a questão de Basileia em votação na próxima reunião do conselho curador do FGTS, que está marcada para esta semana. Por enquanto, o assunto não está na pauta oficial. Provavelmente, o tema deve ficar para outro encontro pois depende ainda de parecer jurídico do Ministério do Trabalho. Os conselheiros do FGTS querem se precaver de futuros questionamentos que possam ser feitos pela Controladoria Geral da União (CGU) e o Tribunal de Contas da União (TCU).

Com o que está previsto para a normativa a ser publicada, o problema de financiamento imobiliário com recursos do FGTS pela Caixa fica equacionado no curtíssimo prazo, no entendimento do setor. “Mas, provavelmente, vão faltar recursos em novembro. A questão de Basileia precisa ser equacionada”, avalia uma fonte.